ESTOU NO MEIO DA ENTRADA DA GARAGEM, OLHANDO PARA A CASA. É COR-DE-ROSA suave, quase como cobertura de bolo, e fica elevada uns três metros, sobre o pilotis de madeira. Há uma palmeira na frente. Na parte de trás há um píer que se estende pouco menos de vinte metros no Golfo do México. Se a casa fosse localizada um quilômetro e meio ao sul, o píer ficaria no Oceano Atlântico.
Henri sai carregando a última caixa. Algumas sequer foram desembaladas depois da última mudança. Ele tranca a porta e deixa as chaves na caixa de correio, ao lado. São duas horas da manhã. Henri veste short caqui e camisa pólo preta. Está muito bronzeado, e a barba por fazer dá a impressão de abatimento. Ele também está triste com a partida. Joga as caixas na parte de trás da caminhonete com o restante das coisas.
— É isso — diz.
Eu faço que sim com a cabeça. Olhamos para a casa e ouvimos o vento batendo nas folhas da palmeira. Estou carregando um saco de aipo.
— Vou sentir saudades daqui — comento. — Mais do que dos outros lugares.
—Eu também.
—Hora do fogo?
—Sim. Quer cuidar disso ou prefere que eu faça?
—Eu faço.
Henri pega sua carteira e a joga no chão. Eu pego a minha e faço o mesmo. Ele caminha até a caminhonete e volta trazendo passaportes, certidões de nascimento, cartões do seguro social, talões de cheque, cartões de crédito e do banco, e joga tudo no chão. Todos os documentos e tudo o que se relaciona a nossa identidade neste lugar, tudo forjado e fabricado. Pego no automóvel uma pequena lata de gasolina que mantemos para as emergências e despejo sobre a pilha reduzida. Meu nome atual é Daniel Jones. Minha história atual é que cresci na Califórnia e me mudei para cá por causa do trabalho de meu pai, que é programador de sistemas. Daniel Jones está prestes a desaparecer. Risco um fósforo e jogo no meio da pilha, e o fogo começa imediatamente. Mais uma vida que se vai. Como sempre fazemos, Henri e eu ficamos para ver as chamas. Adeus, Daniel, eu penso, foi um prazer conhecer você. Quando o fogo se extingue, Henri olha para mim.
—Temos que ir.
—Eu sei.
— Essas ilhas nunca foram seguras. É difícil sair delas rapidamente, difícil fugir. Foi tolice vir para cá.
Eu balanço a cabeça, indicando que concordo. Henri está certo, e eu sei disso. Mas ainda reluto em ir embora. Viemos para cá porque eu queria. Pela primeira vez Henri me deixara escolher nosso destino. Ficamos por nove meses, e esse foi o período mais longo que passamos em um lugar desde que deixamos Lorien. Vou sentir falta do sol e do calor. Vou sentir saudades da lagartixa que ficava me espiando da parede todas as manhãs enquanto eu tomava o café. Embora haja literalmente milhões de lagartixas no sul da Flórida, juro que aquela me seguia até a escola e parecia estar em todos os lugares. Vou sentir falta dos temporais que parecem chegar do nada, de como tudo é parado e silencioso no início da manhã, antes de as gaivotas chegarem. Vou sentir falta dos golfinhos que às vezes aparecem quando o sol se põe. Vou sentir saudades até do cheiro de enxofre das algas marinhas que apodrecem na praia, de como ele preenche a casa e invade nossos sonhos enquanto dormimos.
— Livre-se do aipo, eu vou esperar na caminhonete —Henri diz. — Está na hora.
Eu entro em um bosque fechado à direita da caminhonete. Há três cervos esperando. Jogo o saco com aipos diante deles e me inclino para afagar um de cada vez. Os animais permitem, porque há muito venceram o medo. Um deles levanta a cabeça e olha para mim, os olhos negros e inexpressivos me encarando. Chega a parecer que ele está me dizendo algo. Sinto um calafrio na espinha. Ele abaixa a cabeça e continua comendo.
— Boa sorte, amiguinhos — digo, depois ando até a caminhonete e me sento no banco do carona.
Observamos pelos retrovisores enquanto a casa fica cada vez menor, até que Henri entra na estrada principal e ela desaparece. É sábado. Imagino o que está acontecendo na festa, sem mim. O que estão falando sobre o modo como saí de lá e o que dirão na segunda-feira, quando eu não aparecer na escola. Gostaria de ter me despedido. Nunca mais verei ninguém que conheci ali. Nunca mais vou falar com nenhum deles. E nunca saberão o que sou ou por que parti. Depois de alguns meses, talvez semanas, é provável que ninguém pense mais em mim.
Antes de chegarmos à estrada estadual, Henri para a fim de abastecer a caminhonete. Enquanto mexe na bomba, eu examino um atlas que ele guarda entre os bancos. Nós o temos desde que chegamos a este planeta. Traçamos linhas indo e vindo de todos os lugares onde já moramos. A esta altura elas já atravessam todos os Estados Unidos. Sabemos que devemos nos livrar do atlas, mas ele é o único objeto que conservamos e que retrata nossa vida. Pessoas comuns têm fotos, vídeos e diários; nós temos o atlas. Ao examiná-lo, percebo que Henri fez uma linha da Flórida até Ohio. Quando imagino Ohio, penso em vacas, milho e pessoas gentis. Sei que as placas dos carros de lá têm escrito "O coração de tudo". Não sei dizer o que é "tudo", mas acho que vou descobrir.
Henri volta à caminhonete. Ele comprou dois refrigerantes e um saco de batatas fritas. Partimos na direção da U.S. 1, que vai nos levar ao norte. Ele estende a mão para pegar o atlas.
— Acha que há vida em Ohio? — eu brinco.
Ele ri.
— Imagino que haja algumas. E talvez até tenhamos a sorte de encontrar carros e televisão por lá.
Eu movo a cabeça, concordando. Talvez não seja tão ruim quanto imagino.
—O que acha do nome "John Smith"? — pergunto.
—Foi esse que escolheu?
—Acho que sim — respondo. Nunca fui "John" antes, nem "Smith".
— Não é possível encontrar nada mais comum. Eu diria que é um prazer conhecê-lo, Sr. Smith.
Eu sorrio.
—É, acho que gosto de "John Smith".
—Vou montar seus documentos quando pararmos.
Um quilômetro e meio depois estamos fora da ilha, cruzando a ponte. A água passa por baixo de nós, calma, e a luz da lua brilha, salpicando de branco a crista das pequenas ondas. À direita está o oceano, à esquerda, o golfo; em essência, é a mesma água, mas com nomes diferentes. Tenho vontade de chorar, mas me contenho. Não que esteja triste por deixar a Flórida, mas estou cansado de fugir. Cansado de inventar um nome a cada seis meses. Cansado das novas casas, das novas escolas. Fico me perguntando se algum dia vamos poder parar.
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Eu Sou o Número Quatro - Os Legados de Lorien 1 - Pittacus Lore
Ciencia FicciónNOVE DE NÓS VIERAM PARA CÁ. Somos parecidos com vocês. Falamos como vocês. Vivemos entre vocês. Mas não somos vocês. Conseguimos fazer coisas que vo cês apenas sonham fazer. Temos poderes que vocês apenas sonham ter. Somos mais fortes e mais rápidos...