Prólogo

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Os dedos finos tremeram com o vento frio que arrepiava seus pelos, seu braço coçava em alergia, havia conseguido um banho numa casa de banho pública e acabou saindo daquela banheira com alergia aquela água suja de tantos moradores de rua dividindo o mesmo lugar de limpeza.
Continuava com aquele fedor de mofo e murrinha, aquele cheiro de churume e estrume de gente estava impregnado em sua roupa, porém não tinha o que fazer, não fazia sentido ligar para a estética num momento como esse.

Os olhos rosas olhavam famintos para os barracos da favela aonde vendiam comida quase a preço da zona rica, isso sequer fazia sentido, precisava de dinheiro urgente, precisava de um trabalho, mas quem chamaria um mendingo que mora de baixo de um barraco perto de cair numa comunidade da mais pobre? Quem iria ouvir suas palavras de desespero em ter um emprego, quando sentir o cheiro de cocô de humano invadindo suas narinas?
Sinceramente duvidava que alguém lhe daria algum respeito mínimo da educação quando visse os fios desgrenhados e ruim pela falta de banho e cuidado, a pele podre de caraca e sujeira, as unhas sem um pingo sequer de tratamento, era um caso perdido.

O que lhe restava era o que agora fazia, o que sempre fazia.
Seus pés descalços andando sobre o chão frio da noite ladeira a baixo, buscando chegar próximo a área de comércio da zona de classes baixas, ali geralmente haviam muitos moradores de rua, mas também era sinal de muito comércio e isso significava comida.

Só de ver as padarias e sentir seu aroma divino do pão de sal saindo da fornalha quentinha, fazia seu estômago roncar. Pelos deuses, a quantos anos não sentia o sabor de uma comida decente?
A boquinha rececada se molhou com a própria saliva ao ver o restaurante que estava perto de fechar, o cheiro de carnes, legumes, verduras, qualquer coisa que o alimentasse, até mesmo uma folha de alface murcha e podre, qualquer coisa seria o suficiente, mas temia, estava com medo.

Não podia chegar em qualquer estabelecimento e pedir ajuda, a maioria o enxotava como alguém espanta um cão vira-lata, alguns chegavam a jogar água, lixo ou até mesmo garrafas de vidro em sua direção quando ameaçava chegar no lixo do estabelecimento.
Suas pernas já tremiam apenas por pensar no desespero que seria ter mais um corte de vidro em seu corpo, da última vez teve sorte que alguém bondoso tinha disposição para buscar uma maleta de primeiros socorros e cuidou de sua ferida diariamente até cicatrizar, obviamente foi na rua, mas ainda assim contava.

Seu estômago parecia queimar, estava cansado de vomitar a própria bile por não ter comida em sua barriga, já havia avisado mais de quinze sacos de lixo que pareciam ter comida, mas já haviam moradores perto, então não queria tentar, a chance de ser esfaqueado por um mero pão duro de semanas atrás, uma garrafa com o fundo quase vazio de Coca-Cola velha e um hambúrguer cheio de verme, era uma chance que não valeria a pena, preferia continuar procurando, se tivesse sorte acharia alguém gentil que lhe daria restos para se alimentar, pois isso era a parte pobre da cidade, se tentasse na classe média geralmente apenas era ignorado e se tivesse extremamente sortudo, conseguiria comida fresca e água, mas era tão raro que chegava a ser algo que acontecia apenas uma vez a cada dois ou três meses.

Se mais pessoas ajudassem os desafortunados, a vida seria mais fácil para todos... Não doeria uma garrafa de água quando tem muito no bolso, não mataria um copo de guarvita quando está de bobeira, não iria quebrar uma mão se ao invés de jogar sua comida fora quando sobra no restaurante e iria descartsr, se levasse ate um morador de rua e oferecesse, com certeza a chance dele aceitar é surpreendentemente alta.

Jisung seria mais grato se tivesse mais pessoas assim por Seul.

– Senhor? A mamãe me mandou te dar isso... – uma voz infantil chamou sua atenção, olhando vagamente para o garoto que parecia ter uns 7 aninhos, segurando um copo de Coca-Cola e uma fatia de bolo – É meu aniversário e sobrou... Quer?

O Han queria chorar, seus olhos já o traíram tantas vezes derramando lágrimas quando via alguma alma bondosa nesse mundo perdido, mais uma vez estava em prantos agradecendo a um estranho que nunca mais veria na vida, comendo o bolinho que provavelmente nunca mais sentiria o sabor novamente e degustando do copo de um refrigerante que realmente tinha gosto de refrigerante.

A última vez que pegou um refrigerante do lixo foi o suficiente para se arrepender, havia uma placa branca estranha espumosa na superfície do líquido e quando ousou beber um gole, sentiu pequenos seres rastejando em sua língua.
Havia bebido uma Pepsi repleta de vermes pois estava semanas e semanas jogada no meio da rua e o caminhão do lixo não passava na comunidade, então ninguém se importou em jogar fora, foi tão tentador pensar que iria beber algo bom e no fim, havia tido uma intoxicação alimentar grave e até hoje não entendia como não havia morrido naquele momento.

O Han ainda não poderia voltar, estava o dia inteiro faminto, uma fatia fina de menos de um dedo de bolo e um copo de 100ml de refri não iria alimentar, obviamente foi grato, mas não poderia acreditar que isso o manteria pelo resto do dia, pois não iria e na manhã seguinte iria amanhecer vomitando o líquido amarelo de seu estômago mais uma vez.

O Han não iria desistir ainda, catou o quanto via de lixo pela frente, não haviam latinhas, não haviam garrafas vazias, os moradores já haviam zerado todas, então sequer teria trocado para pagar um pão adormecido...
O frio bateu como uma foice em sua pele, a roupa rasgada, poida e furada era apenas mais um detalhe na aparência miserável, a barba enorme e suja faltava voar uma mosca de sua boca se abrisse.
Muitos países existiam até mesmo doações de quentinhas em igrejas e templos, alguns haviam ações solidárias, mas em Seul nunca existia essas coisas chiques em zona pobre e Jisung nunca em toda a sua vida ousou pisar na área nobre, temia os olhares, temia o tratamento, acreditava que a polícia iria até o retirar aos chutes dali.
Seria uma covardia consigo mesmo.

Se as ações solidárias fossem feitas em zonas pobres também, seria mais um tópico positivo a vida de moradores de rua.
Também deveria desejar humanidade entre os próprios moradores, muitos se tratavam como animais, vendiam sexo por valores baixíssimos apenas para comprar maconha, pediam dinheiro para comprar comida e todo o troco virava cachaça e cigarro, esses em expecificos davam nojo no Han, pois se eles dividissem o dinheiro do vício, seriam mais bocas alimentadas.
Se ao invés de barracos de papelão individuais, os moradores se unissem e usassem algum abrigo que o governo desistiu de tratar, não teria como a polícia os retirar pois seria algo que mancharia a reputação do país e tiraria toda a imagem positiva dos tiras, mas eram poucos os que faziam isso, usavam locais quase aos pedaços para abrigar grande quantidade de moradores de rua, mas a maioria que o fazia, eram da mesma família ou conhecidos de anos, então um estranho de fora ficaria para fora.

Os olhos do Han se encheram de lágrimas, mais uma vez sua barriga roncando, em suas mãos havia apenas um prato de isopor que achou perdido no saco de lixo que acabou de abrir cuidadosamente, haviam legumes azedos com um líquido amarelado estranho e viscoso, no lado arroz empapado, haviam pequenos esporões, como buracos, no topo da porção de arroz empapado.

O Han sabia que aquilo era sinal de vermes e tapurus, aquilo era sinal de vômito e diarréia pela semana seguinte inteira.
Porém o Han não tinha opção, estava faminto.
Seus olhos se fecharam em agonia, suas mãos nuas indo de encontro a comida podre, a levando pingando seres compridos como lombrigas até a sua boca, quando ouviu um grito e seu prato foi arrancado de sua mão.

Seus olhos se arregalaram com o susto, apenas engolindo o seco e tremendo ao perceber que outro morador havia tomado de si seu alimento.
O homem o olhava com ódio, fúria e medo, enquanto comia desesperado aquele alimento.

Jisung sabia o que era isso, sabia como era a fome de quase uma semana sem achar uma comida sequer no lixo, ele já sentiu isso na pele e sabia que o resultado que esse homem teria seria o mesmo que o seu na época, dois dias vomitando sangue, ao menos quatro dias desmaiando e vomitando a bile por falta de alimentos e pela intoxicação alimentar que teria e o resto da senana seguinte pura água negra como um câncer intestinal quando fosse cagar.

Não brigaria pelo alimento podre, apenas se levantou e levou o que restou da comida até suas roupas, deixando o líquido viscoso manchar suas calças já manchadas e rasgadas.

Talvez... Se tentasse seguir por alguns dias e chegasse na área nobre... Talvez não morreria da forma tão doentia que já havia presenciado...

Gucci Pet (Han Jisung Centric)Onde histórias criam vida. Descubra agora