A porta da loja abre mais uma vez e, depois de efetuar o pagamento de mais um adolescente meio estranho e nervoso, olho na direção da entrada. Sorrio automaticamente com as lembranças que invadem meus pensamentos ao me deparar com a figura na porta.
Com os óculos sobre o nariz e o caderninho roxo que ainda me lembro da última vez, Caroline atravessa o salão por entre os balcões de plantas. A mão esquerda – a que segura o caderno – ostenta um curativo engraçado colocado em uma posição duvidosa. Ela escaneia a floricultura com um olhar de quem não tem pressa alguma e abre o caderno em seguida. Mesmo de trás do balcão do caixa, consigo enxergar vincos entre suas sobrancelhas enquanto ela parece ler algo nos papéis em suas mãos. Uma caneta é retirada do bolso de trás do short jeans de lavagem clara e é usada para anotações rápidas no mesmo caderno. A mulher levanta a cabeça e volta a procurar algo pelo recinto. Não demora e seus olhos recaem sobre mim. Sua expressão suaviza e ela começa a fazer os passos que nos separam.
— Oie — diz assim que chega ao caixa. Termino de tirar as coisas que ficaram em cima da bancada depois dos últimos atendimentos, como algumas folhas que soltaram e recortes de papel e fita, jogando-os no lixo em baixo do cômodo. — Tá muito ocupada aí?
Balanço a cabeça, dizendo que não, e dou a volta no balcão, ficando de frente para ela. De perto, consigo reparar que seu cabelo não está, exatamente, arrumado; além de pequenas bolsas debaixo dos olhos. Caroline parece ter tido uma noite de sono ruim, apesar de ainda apresentar um olhar animado.
— Não, não temos muito movimento antes do almoço, normalmente — Ela murmura um "ah, sim" e me oferece um sorriso simpático. — Veio aqui pelas minhas flores ou só pra me mostrar seu band-aid super estiloso?
Ela solta uma gargalhada engraçada, meio engasgada no final, que me faz rir também. Caroline troca o caderno de mãos e estica a esquerda, exibindo o curativo.
— Eu fui na farmácia e eles realmente só tinham de super-herói — fala. — Mas hoje eu vim como cliente, mesmo. Tomei mais cuidado abrindo as outras caixas e tudo.
— Então, tá ótimo — respondo. — O que vai ser?
Caroline coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha e volta a encarar seu caderno. Fico curiosa sobre o que está escrito ali. Nomes de flores? Lista de mercado? Jogo da velha? Não me sinto à vontade para perguntar e engulo toda a curiosidade. Ela passa mais alguns segundos encarando a folha, com as sobrancelhas meio franzidas e o óculos caindo para a ponta do nariz. Quando levanta a cabeça, um bico se forma em seus lábios e ela me olha nos olhos. Não consigo saber, ao certo, o que ela pensa.
— Acho que hoje eu vou deixar você me surpreender.
Inevitavelmente, minhas próprias sobrancelhas formam um arco. Com certeza eu não estava esperando essa resposta.
— Como assim? — resolvo perguntar. — Tu quer que eu decida o que tu vai levar?
Ela balança a cabeça. Sim.
— Qualquer coisa que cê achar que eu deva levar hoje, eu levo.
E agora eu tenho certeza absoluta que a minha cara é de completa confusão. Em todos os anos que eu trabalho com isso, nunca tive que fazer essa escolha. Não do zero, pelo menos. Alguns já me pediram dicas para uma situação ouu outra, fizeram pedidos pelo significado e não pela flor em si... Mas desse jeito é a primeira vez. E isso só me faz mais curiosa pelo conteúdo do caderno roxo. Na verdade, no conteúdo da mulher em minha frente. Depois dos girassóis, nenhum de seus pedidos fizeram sentido. Não que exista uma regra, longe disso. Mas normalmente as pessoas tem algo como um tipo de flor – geralmente elas são endereçadas à alguém e esse alguém tem uma preferência por uma seŕie específica de flores. Mas ela não tem nem uma linha de pensamento que faça o mínimo de sentido para quem compra flores com tanta frequência.
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Hortênsias
FanfictionCaroline se muda para Belo Horizonte para enfrentar uma nova fase de sua vida e cruza com Rosamaria em seu caminho, uma jovem floricultora com muitas ambições e uma paixão inata pela natureza. Entre um turbilhão de emoções, passados conturbados e co...