4. grigio

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⚠️ Alerta de gatilho: alcoolismo e crise de ansiedade.

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Carol Gattaz

Cinza.

Tudo aqui é cinza!

Os prédios, as ruas, os carros e até o céu. Tudo cinza!

Não é a cor que me sufoca, é a ausência dela. Venho de um lugar onde as pinturas mais bonitas parecem não ter a mínima graça quando comparadas à visão da janela. 

Grandes campos, de perder de vista, todos com a grama tão verde que parece tingida; o céu, limpo e livre de qualquer coisa que não sejam nuvens ou estrelas, é tão azul quanto pode ser. Minha casa é viva, alegre e me abraça. Então, depois de um final de semana repleto de cores vibrantes e de ar puro no interior, voltar à cidade é torturante. É como vestir uma blusa de gola alta no auge do verão – não faz sentido e é extremamente sufocante!

As ruas urbanas são um caos completo: brigas sem sentido, acidentes horrorosos e motoristas completamente sem noção. Tento contar quantos segundos eu fico parada em um sinal vermelho, mas as buzinas, agudas e initerruptas, atravessam meus ouvidos e tiram a minha concentração. Como se fossem fazer a luz piscar verde! Obedecer às leis, aparentemente, é contra às regras por aqui.

Odeio isso. Odeio tudo isso.

Com mais alguns minutos de agonia no trânsito belo-horizontino, finalmente, chego em casa. Nem sei se isso pode ser chamado dessa maneira.

Ótimo. Saímos do cinza-sem-graça das ruas para o branco-hospital das paredes do meu apartamento. Deixo as malas no corredor e não consigo me mexer. É pequeno demais.

Estou parada na porta de entrada, mas consigo alcançar a geladeira com dois passos preguiçosos. Lembrar da minha cozinha com uma ilha de mármore branco no interior me faz perder o ar. De novo, a cidade me sufoca. Me prende, me decepciona e, às vezes, me enoja.

Abro a geladeira e alcanço uma garrafa de água. Não é o que eu quero, mas mesmo assim, despejo o líquido em um copo e levo até minha boca. Não é mesmo o que eu quero. Uma lufada de ar sai por entre os meus lábios.

Passo as mãos pelo rosto em uma tentativa de afastar os pensamentos que me assolam. Não quero cair nessa de novo. Não quero, não quero, não quero. Minhas mãos sobem e enroscam nos meus cabelos. Estou perdendo o controle e sei disso.

Respiro fundo. O ar passa muito devagar pelas narinas. É difícil respirar.

É só dessa vez, penso. Hoje eu preciso. Preciso disso.

Saio da cozinha e alcanço minha mochila, bato as mãos pelos bolsos à procura de meu celular. Elas estão levemente trêmulas e não é um bom sinal. Ignoro os sinais de meu corpo e me concentro em achar o aparelho.

Assim que o tenho em minhas mãos, procuro pelo aplicativo de bebidas para usá-lo pela primeira vez. As pessoas da cidade são tão patéticas que não conseguem nem comprar sua própria bebida. Acho que isso faz de mim patética igual, então.

Exploro o aplicativo rapidamente até encontrar o que eu quero. Sinto meu rosto esquentar enquanto coloco a garrafa na sacola e sinto meu rosto molhado de suor quando finalizo o pedido. Largo o celular em cima da mesa e me ponho a andar pela sala.

Olho para o móvel que sustenta a televisão da sala e procuro pelo controle do ar-condicionado, faz muito calor aqui dentro. Ligo o aparelho e espero, de frente para ele, que o gelado me atinja. Ele vem e é bem-vindo. Prendo meus cabelos úmidos de suor em um coque no topo da cabeça e fecho os olhos. Há muito – muito! – tempo não me sinto assim.

HortênsiasOnde histórias criam vida. Descubra agora