Ser reduzido a um número. A sensação de não ser ninguém e não pertencer a lugar nenhum já o acompanhava a muitos anos, mas agora, ele tinha a certeza que não passava de um maldito número. 1739 o perseguiria pelo resto de sua vida.
Enquanto dava alguns passos na enorme fila do refeitório, se sentiu incomodado pelos olhares que recebia dos demais detentos, principalmente porque todos, ou pareciam querer matá-lo ou comê-lo vivo e nenhuma das opções o agradava.
Um baque contra seu corpo e o som de algo caindo ao chão, no entanto, foi o suficiente para fazer com que todos voltassem a atenção para qualquer outra coisa que não fosse ele. Seu olhar percorreu ao redor, e franziu o cenho ao observar o olhar de espantado dos dois colegas de cela, que a pouco apresentavam os grupos e subdivisões do presídio para ele, e como eles tomaram uma distância de si.
O que poderia deixá-los assim? Ele não sabia responder, contudo, imaginava que seria melhor não descobrir. Desde pequeno ele possuía um ímã para problemas e pessoas complicadas, não achava que ser preso fosse mudar isso.
Fechando os olhos com certa força, inspirou profundamente antes de virá e se deparar com uma muralha de músculos o encarando e só então tomando consciência da dor latejante em seu ombro, inconscientemente levando a mão livre até lá e massageando. O homem era quase da sua altura, um pouco mais baixo, mas de tudo o que havia aprendido dos valentões que o batiam é que, altura não é um bom parâmetro para medir a força de um soco. A julgar pelo olhar do que estava a sua frente, ele estava completamente ferrado, mas seu cérebro parecia não achar isso, porque instintivamente deu um passo na direção do homem e ergueu uma das sobrancelhas em um questionamento silêncio.
— Qual é novato? — sua voz um pouco grave saiu em um tom calmo e Pete estremeceu. Vozes calmas o deixavam em alerta, era de pessoas que falavam pacificamente que a raiva transbordava em seu maior grau. — 1739? — o homem juntou as sobrancelhas em dúvida, mas logo deu de ombros voltando sua atenção para o rosto de Pete, que permanecia o encarando sem vacilar, mesmo que ainda sentisse o tremor percorrer seu corpo. — Você mal chegou e já quer ir pra vala? — perguntou, seu corpo se inclinando minimamente, como se quisesse mostrar quem estava no controle.
— E quem me mandaria pra lá? — a pergunta saiu antes que ele pudesse conter, mas seu olhar permaneceu firme.
O homem, a sua frente, curvou os lábios em um sorriso cínico, voltando a sua posição anterior, e antes que ele pudesse ter alguma reação, sentiu duas grandes mãos presas a sua garganta, enquanto o refeitório se tornava em polvoroso, embora ninguém ousava se aproximar dos dois. O aperto aumentava gradativamente e Pete já podia sentir o formigamento percorrer seu corpo, então, em uma voz arrastada e baixa, com muita dificuldade, disse:
— Você... pode me matar... é um favor que me faz.
O aperto foi soltou, no mesmo instante que um apito começou ecoar pelo local, mas o que deixou todos totalmente espantados, até mesmo os carcereiros, foi a gargalhada vinda de Pete.
Estive observando-o por bastante tempo e essa foi a primeira vez que ele me pareceu ceder o controle em total consciência ou eu estava deslumbrado demais e acreditei que ele estava consciente.
— Pete? — um dos seus companheiros de cela o chamou receoso, ainda que estivesse distante e parecesse querer continuar assim... foi por pouco tempo, mas ele cedeu.
Ele olhou na direção de Arm, aquele que o chamou, então se encolheu, abaixando a cabeça em forma de submissão. Seu coração frenético, tamborilava em seu peito fazendo caminho para sua garganta. Algo o instigava a olhar na direção daquele homem e foi exatamente o que ele fez, mas diferente de fúria, que era o que esperava ver, encontrou-o sorrindo minimamente, como se estivesse satisfeito com o que acabara de presenciar.
— Vai ser divertido ter você por aqui... 1739. — falou em um tom baixo, o suficiente apenas para que ele ouvisse, o que não era muito difícil dado que todos haviam se afastado. — Isso aqui tava bem entediante, mas acabou de ficar muito, muito interessante. — completou umedecendo os lábios e o observando de cima a baixo.
Pela primeira vez, desde que colocou os pés naquele refeitório, um olhar que parecia querer devorá-lo vivo não o incomodou, pelo contrário, fez arder uma chama dentro de si.
— Boa estadia novato. — desejou, virando as costas e seguindo até uma mesa afastada, deixando a bandeja caída ao chão e todos de boca aberta.
Era isso, a euforia dentro dele de repente parecia se acalmar, como se houvesse finalmente encontrado o que tanto procurava. Seus olhos permaneceram sobre o homem, o seguindo e apreciando cada parte de seu corpo, mas mentalmente se repreendendo por tais pensamentos.
— Você tá maluco? Não, você deve ser maluco, mas porra, cadê seu amor a vida? — Pol, aquele mais alto, falou desenfreado, arrastando Pete de volta a realidade cruel. — Você sabe quem é ele? — Pete balançou a cabeça em negativa, o encarando. — Ele é a porra do cara mais temido daqui de dentro e aquele capaz de te matar num piscar de olhos. — explicou como se parecesse óbvio. Seu rosto, assim como o de Arm, parecia pálido.
— Ele não pareceu querer me matar. — Pete comentou em uma voz terrivelmente calma, seu olhar indo de encontro a mesa do outro homem, o encarando com certa curiosidade.
Algo se agitou em seu interior e ele não sabia dizer exatamente o que era, só tinha a certeza que eram misto de sentimentos.
— 1739... — uma voz roubou sua atenção e mais uma vez viu seus colegas de cela se afastarem.
— Esse não é meu nome. — disse na defensiva, algo começava o incomodar sobre todos o chamarem assim.
— Não me importo. — a voz soou debochada e Pete sentiu vontade de revirar os olhos e dessa vez não se conteve. — Soube que você veio pra cá por matar o próprio pai...
— Não fiz nada! — respondeu de imediato, os dentes e punhos cerrados.
— Ohh, o discurso do falso inocente... — o homem a sua frente falou mais uma vez, sua voz aguda, causando em Pete uma ânsia junto a uma ira incontrolável. — mas adivinha? Eu não ligo. Pra mim você não passa de mais um verme. — rosnou, se aproximando e segurando em seu queixo com força para terminar de falar próximo ao seu ouvido. — mentiroso e covarde.
Pete fechou os punhos mais uma vez e seu olhar se tornou matador, algo como um flash voltou em sua mente e ele travou, seu olhar se tornando vago e, ao mesmo tempo que tentava agarra aquela memória, desejava apagá-la permanentemente.
Odiava essas duas palavras, ele não era mentiroso e muito menos covarde. Passou a vida inteira ouvindo elas da boca de seu pai, aquele que ferrou sua vida até mesmo após a morte e agora elas ecoavam em sua mente, as vozes se misturando o deixando louco e por um momento desejou ceder o controle totalmente, mas não o faria, não conseguia.
— É bom tomar cuidado por onde anda novato. — o homem voltou a falar, então saiu com um sorriso vitorioso.
— Você tá muito ferrado. — comentou Arm. — Esse cara é insuportável e pelo visto ele te odiou de cara.
— Quem é ele? — perguntou sem desviar o olhar.
— Tawan, o líder do pavimento D, o cara já matou dezenas, aqui dentro inclusive. — explicou Arm, sua voz baixa como se fosse invocar algum demônio se falasse um pouco mais alto.
— E ele? — perguntou se virando na direção do primeiro homem.
— Vegas... vá por mim, é melhor manter distância dele. — Pol foi quem falou, colocando uma mão sobre seu ombro e o empurrando para continuar o caminho.
Pete voltou novamente seu olhar para o homem que agora sabia se chamar Vegas e teve o pensamento de que não seria possível se manter afastado. Ele era um ímã para problemas, afinal.
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Prisioneiro 1739↬VegasPete | Oneshot
FanfictionFoi quando o juiz declarou sua culpa no assassinato de seu pai, que Pete sentiu sua vida mudar completamente. Ele não estava preparado para conviver naquele meio (presídio) e precisava provar sua inocência. Uma grade dúvida, no entanto, surgia em s...