O que?

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Ele era diferente dos outros, São Paulo soube assim que cresceu o suficiente para juntar dois mais dois

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Ele era diferente dos outros, São Paulo soube assim que cresceu o suficiente para juntar dois mais dois.

Sentado na beira da água com um cachimbo nos lábios, a vila observava o pequeno grupo que se reunia ao redor da cachoeira, objetos largados a esmo em prol de jogar-se no frescor, vozes altas perturbando a paz dos habitantes da mata. Suas calças estavam encharcadas e aproveitava do clima seco e quente para se recostar nas pedras, longe o suficiente dos demais para se tranquilizar.

Piratininga não conseguia desviar os olhos dos homens ali. Seus dedos se punham dormentes e barriga agitada como se estivesse envenenado, seu rosto se esquentava igual num dia de sol ardente, sua voz gaguejava e… Algo instigava-o a continuar 'curiando', numa fixação que não sabia se livrar.

Lembrou-se de quando finalmente, após meses de andança cega e pólvora toda gasta, enquanto garimpavam num rio, pepitas de ouro os agraciaram com sua presença. Nem pôde rir vitorioso pelos grãos dourados: foi puxado para abraços de uma comemoração cheia de alívio e dever cumprido, coração na boca ao se ver preso entre tez quentes de sol e mãos robustas nas suas mechas sujas com elogios pelo achado.

"Tsc." Se encolheu, passando as mãos pelos próprios braços a fim de se livrar da sensação instigante que o arrepiava dos pés à cabeça.

Quase o mesmo sentimento de quando estavam em festas santas, cabeça cheia de cauim e se juntava a seus irmãos nos folguedos, mais rindo que conseguindo se firmar no chão, conversando com rostos quase a se tocar, abraçando-se com juras ébrias de lealdade. Não sabia dar os nomes, mas trazia vida a partes obscuras e o cativava num sentimento abrasivo e envolvente. Piratininga riu, lembrando-se das exortações dos padres e de como sempre conseguiam fugir antes mesmo de terem que pagar penitência.

Oh sim. A penitência.

Mais cedo, naquele mesmo dia, dois bugres foram espancados e enforcados após serem pegos em atos de sodomia. São Paulo não piscou, nem baixou a cabeça ou impediu seus homens de aplicarem a condenação, firme como uma muralha enquanto sentia as unhas entrando na carne de sua palma, tamanha era força de seu punho fechado. Aquele era o exemplo que precisava mostrar a todos.

Não se perguntava nada em voz alta pois ali, a palavra deles era a lei, o juiz e a testemunha. Esses tipos de desvios não seriam tolerados, os pecados da carne deveriam ser aniquilados.

O que era aquilo? Piratininga sentiu a língua amargurar forte pelo fumo em seu fim, tossindo e batendo o cachimbo no chão para retirar as cinzas. Seu rosto ardia de vergonha e irritação e a dor de cabeça ainda não havia passado.

Não tinha as palavras para sanar seus questionamentos, mas sabia que o que quer que fosse aquilo, seria uma das cruzes mais pesadas que carregaria em vida.

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