Por que?

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Batendo na mesa, ouviu o silêncio sepulcral se estender pela sala

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Batendo na mesa, ouviu o silêncio sepulcral se estender pela sala. Seu rosto estava vermelho de raiva ao encarar as cidades, uma por uma, desafiando-os a levantarem a voz mais uma vez. À sua direita, a cadeira estava vazia e, à sua esquerda, Sorocaba, com os olhos arregalados, sussurrou.

"Júnior, por favor, se acalme."

"Façam o que melhor lhe convir." Jogou a papelada no centro da superfície, folhas voando e Campinas pulando de seu assento com o barulho antes de esconder seu rosto atrás do leque. Rumou em passos fortes e decididos para fora daquele lugar, ninguém ousando respirar até que batesse a porta pesada de jacarandá contra sua guarnição, o eco da batida anunciando a todos no Palácio do Páteo que São Paulo capital estava em fúria.

Seguiu diretamente para sua sala na sede provincial, gritando com as secretárias para que impedissem qualquer alma de entrar ali – melhor, que cancelassem todos os seus compromissos do dia, seus ombros subindo e descendo tamanha era a força de sua respiração, mãos tão trêmulas que mal conseguiam puxar sua cadeira, caindo com o peso do pós adrenalina. Silêncio. Ao seu redor, prateleiras que subiam ao teto com seus livros de estudo competiam espaço com seu auto retrato. Outras duas mesas, um sofá e quatro poltronas de pau-brasil acompanhavam a composição de uma sala sóbria em marrom dos móveis, verde musgo dos papéis de parede e o dourado de suas peças de trabalho. Tudo isso apoiava a tese de sua subida de poder e autoridade.

Após a instalação do curso jurídico, Paulo Júnior dedicou-se aos estudos como nunca na vida. Aprendeu latim, francês, aritmética, filosofia, direitos naturais e romanos, aulas de etiqueta e abriu-se, pela primeira vez, ao mundo. Um homem que não precisava mais gesticular para que entendessem seus sentimentos, que lia livros sem precisar de um tutor para focá-lo, que sabia nomear seus pensamentos confusos sobre o porquê ainda sentia-se atraído por homens de valor.

Sim, ele tinha as palavras agora: transviado, fresco, sodomita, afeminado, maricas… Palavras que caçavam-lhe pelo calcanhar durante o dia, na boca dos ousados e desgostosos, e fugiam durante a noite, quando procuravam-no dentro de carros, atrás de árvores ou galpões vazios.

Cotia havia, por fim, despachado-o tamanho eram os rumores que os cercavam.

"Sofia, por favor." São Paulo já não sabia mais o que fazer, lágrimas presas nas pálpebras.

"Eu já me decidi, Paulo." A mais nova parecia engolir uma maçã inteira, agarrando-se com força às próprias luvas, sentada no sofá ao seu lado. "Não estou à tua altura, e contigo me mimando do jeito que faz, não vou chegar a lugar algum. Eles estão certos."

"Se é este o problema, então eu posso-"

"Não pode, joujoux." Cotia lhe ofereceu um sorriso triste, levantando-se e se pondo no meio de sua sala de estar. "Agradeço por tudo o que fez por mim… Mas já é hora de dar meus próprios passos, sozinha desta vez."

Faziam meses que não via Santos, tão grave que fora seu último desentendimento.

"Com que direito tu acha que tem de me chamar… Disto?!" O rosto de João se contorceu, desacreditado, gesticulando em sua direção.

"Com que direito? Eu sou teu amante há quase duzentos anos, João!" Júnior riu, jocoso e surpreso pela reação forte e imediata. "Após tudo isso, está enojado que te chame de homossexual, como a mim?" O santista se calou, dando dois passos em sua direção e apontando o indicador em sua cara antes de mirá-lo na porta.

"Fora da minha casa, agora!" O paulistano arregalou os olhos, a seriedade no tom fazendo com que um frio lhe descesse pela espinha. "Fora, e não ouse voltar aqui sem minha permissão, São Paulo."

E agora, se já não bastasse o pedestal em que era colocado, erguido como um ídolo acima de todos… Inalcançável era apenas a ilusão confiante de que palavras jamais chegariam a si.

"Deveríamos criar um sanatório à parte para os transviados." Guarulhos foi sensível o suficiente e não ousou olhar na direção da capital, batendo os dedos na mesa ao som dos murmúrios de concordância ou desdém. "É um distúrbio mental, precisam ser tratados!"

"Se colocássemos isso em prática…" São Caetano do Sul suspirou com falso pesar, brilho malicioso no pequeno esgar. "...O que faríamos nós, se nossa capital fosse o primeiro paciente a ser internado?"

Sua cabeça explodiu de dor e, cansado de ouvir repetidamente as falas do último compromisso, procurou pelas pastas que o governo havia lhe entregue. Propostas para a canalização dos rios e riachos, mais espaço para novas vias urbanas, como se fazia na Europa há algum tempo e-

"Onde foi que eu errei?"

Gotas grossas de água caíram no papel à sua frente e mancharam as letras, sua visão se embaçando quando cobriu o rosto, abafando os soluços de um choro ressentido que manteve no fundo da garganta esse tempo todo. Agarrou a própria camisa, respirando rápido e tentando em vão deixar quieta a voz carregada de tristeza, com a rejeição que o fazia se curvar sobre si mesmo.

"Por quê?" Perguntou, erguendo os olhos para o teto alto, punho batendo na mesa em exigência. "Por que me fizestes assim? Já não te basta todo o desgosto que tenho por mim? Por que pago por algo que não consigo controlar?"

A sala, vazia, não reagiu a sua melancolia, como em todos os dias antes desse.

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