Tenho tempo

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O silêncio se instala no lugar, enquanto minhas mãos trêmulas tentam fazer com que minha mãe me responda. Tudo aconteceu tão rápido... tão de repente.

O relógio indica que ainda tenho tempo e, ao mesmo tempo, me paralisa com seu tic-tac irritante. Sou só eu agora. Na verdade, acho que sempre fui só. Todos que um dia estiveram ao meu lado estão partindo, um por um.

Camila...

Murilo...

Foco no cenário atual. Coloco a base da minha mão direita no centro do peito de Ester, logo em seguida posiciono a mão esquerda sobre a outra, entrelaço os dedos e tento fazer compressões.

Pelo menos uma vez quero ser útil.

— POR FAVOR, MÃE, FICA COMIGO!!

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Tic-tac... tic-tac...

Nada além do vazio e da escuridão. Por mais que meus olhos estejam abertos, ainda assim não vejo nada, somente o imenso inexistente.

Ainda tenho tempo...

Um pontinho de luz vermelha acende e apaga em uma das paredes do quarto, acompanhado de um bip. Se não errei as contas, provavelmente é meia-noite.

Depois do desastre que ocorreu em casa, fui realocado para um internato. Por mais que eu não tenha concordado no início, hoje vejo o quanto foi bom para mim. Posso me sentir livre da dependência. Além disso, me mandaram para cá porque tinham certo receio de que minha alegação de legítima defesa pela morte do meu pai fosse falsa.

Disseram que seria apenas até o judiciário decidir, mas hoje completo 18 anos, e nenhuma resposta. Fiz muitas coisas nesses últimos 9 meses, de amizades a inimizades e brigas.

Minha mente vagueia por tudo que me aconteceu ao longo da vida. Todos esses 18 anos. Será que foram úteis? Será que serviram para algo?

As luzes do quarto se acendem. São exatamente 6 horas. Sento-me na cama e observo o pequeno quarto cinza e sem janela. Durmo na parte de baixo de uma beliche, entre três que existem aqui.

O carcereiro assobia, apita e bate com o porrete nas portas de ferro, que se abrem automaticamente. "Hora do sol".

Todos saímos dos quartos, e a contagem começa.

— 1... 2... 3... — um homem com uma caderneta faz a chamada — 56, Daniel Miranda Salcedo.

Eita... nunca me chamaram pelo nome.

— Hoje é o dia da sua liberação. — Ele para de olhar para a caderneta e me encara. Por ser mais baixo, levanta um pouco a cabeça. — Vai querer o café aqui?

— Não, senhor.

— Fique na sala de visitas, então. Seus familiares chegam em meia hora.

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Ao entrar na sala, observo os detalhes e relembro memórias. Um espaço com várias mesas circulares e bancos em suas voltas. Como se eu não acreditasse que seria liberado, sento-me o mais próximo da entrada possível.

Um relógio na parede me dá a noção de que tenho tempo até que alguém chegue. Não tenho ideia de quem virá; só me lembro do apagão que me tomou antes de estar aqui. Não sei se Larissa está bem e se minha mãe...

Não... ela está bem!

A porta que dá acesso à saída do local se abre. Posso ver perfeitamente seus cabelos ruivos, descendo até a cintura e seus passos apressados para me dar um abraço.

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