Valeu a pena?

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As memórias, embora apagadas, ainda me lembram de como apanhei aquele dia. Meu pai não perguntou onde fui, não perguntou o que fiz, nem mesmo o porquê. Simplesmente derrubou todo seu ódio em mim.

Recordo-me que perdi um dente e trinquei minha clavícula naquele surto de Renato. Outra coisa que também me vem são os gritos da minha mãe ao ver.

A partir daquele dia, por mais que contrariando a vontade de Carlos e de meus pais, comecei com o uso de drogas. Se iria sofrer assim, que ao menos tivesse motivo. Não vou ser julgado por algo que não faço.

A princípio um modo de fazer com que às vezes que eu apanhava tivessem sentido, mas com o tempo se tornou necessidade.

Falando em Carlos, nunca conheci ninguém tão confiável quanto ele. Certo que sim, ele era um assassino, mas com o passar do tempo fui percebendo que as pessoas que entravam em sua lista, sempre deviam algo à organização que ele fazia parte ou até mesmo à lei. E outra, ele era pago para tais coisas, não que eu mataria alguém por dinheiro, só sinto que, segundo meu julgamento, Carlos era e é um vingador. Não sei o nome ao certo, talvez justiceiro.

Depois de passar por tudo isso, estou eu aqui, após dois anos, sentado na pequena mesa no centro da sala de estar de casa.

— Daniel, já está pronto? Seu pai está esperando no carro — minha mãe fala do banheiro.

— Eu sim, quem não está pronta é você, só por isso estou aqui.

Hoje é sete de setembro, dia de marcha, e como meu pai gosta de ver essas coisas, iremos todos em uma que passará perto de casa.

Ester, minha mãe, aparece na sala desfilando seu vestido vermelho.

— Então, o tempo que passei me arrumando valeu a pena?

A vestimenta de princesa desce até os seus joelhos. Decotado em coração e com duas alças. O vestido é acompanhado por um salto fino de cor preta.

Mamãe nunca exagera na maquiagem, mas não quer dizer que não usa. Seus olhos castanhos sendo completos com um delineado perfeito e com batom também avermelhado fazem com que ela seja mais linda que qualquer modelo.

— Você sabe que vamos para uma marcha, não é? — não vou elogiá-la tão fácil.

— Sei sim, e também sei que hoje fazem vinte anos que eu e seu pai somos casados — o sorriso branco mostra sua genuína felicidade — mesmo com os problemas, ainda é uma data especial e... — levanta duas vezes as sobrancelhas rapidamente — vai que hoje a gente se acerta, se é que você me entende.

Não consigo segurar a risada.

— Vão ir para onde depois? Um motel?

— Só o futuro pode responder — Ester se direciona ao quarto e vejo que usa um dos seus perfumes — no fim, você nem disse se valeu a pena.

— Valeu sim, mãe. Você está perfeita. Não existe mulher mais linda que você.

— Bom mesmo — ambos rimos — e você, se resolveu com Renata?

Renata foi uma menina que se aproximou de mim logo após a morte de Camila. Podem pensar ser meio frio da minha parte ter começado a ficar com ela logo uma semana depois do ocorrido, mas eu penso que era a única forma de acalmar meus nervos.

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