Amigo

155 32 605
                                    

A noite chega e um frio absurdo acompanha. Mas não posso falar muito, o restante do dia foi chuvoso, então faz sentido.

Depois que passei a tarde inteira chorando em meu quarto, minha mãe me chama para jantar. Segundo ela, ficarei doente se não comer direito, como se fizesse dias que eu não comesse.

Pouco tempo se passa e minha irmã aparece no meu quarto. Sempre saltitante e alegre.

— Daniel, vamos comer, a mamãe fez bife — seu rosto brilha ao repassar essa informação, pois nós dois amamos bife, ainda mais se forem acebolados. Se fossem com cebola, eu até pensava em levantar — ah... e ela disse que comprou a cebola hoje.

— Já vou — infelizmente, vencido pelo sistema opressor.

Acendo a luz do meu quarto, me alongo e retiro o uniforme escolar, o deixo em cima da cama. Depois arrumo, mas não agora. Por fim, pego qualquer coisa no guarda-roupa e me visto.

Abro finalmente a porta e vejo o sorriso de minha mãe enquanto termina de fritar o último pedaço de carne.

— Achei que só iria acordar amanhã. Fiquei preocupada — retira o filé de boi da panela e coloca em um prato já preparado — pega aqui e depois a gente tem que conversar sobre o que aconteceu na escola.

Pego o prato da mão dela e vou até à sala. Meu pai já está sentado em uma das cadeiras, fico com uma do lado oposto da mesa, um assento que me faz ficar frente a frente com meu progenitor.

— E então, Daniel. Como foi nas provas? — coloca os cotovelos sobre a mesa.

— Não sei. Amanhã eu vejo — invento qualquer coisa, mesmo que eu não vá ver realmente. Sendo sincero, acho que nem vou para escola.

— Entendo — agora levanta os braços, entrelaça os dedos das mãos e os estala — sorte que você não gosta da escola, se ficasse mais um pouco, poderia ter sido você.

— Eu... — paro de falar, pois Larissa arrasta uma cadeira e faz um barulho irritante — Eu ser o quê?

— Dois alunos da sua escola foram mortos — a calma com que ele fala isso me surpreende.

— E já sabem quem são? — pergunto mais para gerar assunto, porque não conheço quase ninguém daquela escola.

— Ouvi dizer que foi um menino e uma garota que desciam a rua, dois adolescentes que pagaram por erros de adultos — finalmente demonstra um pouco de tristeza — por isso falo para não mexer com drogas, Daniel, vai que se envolve e... — Faz um sinal com o dedo indicador, passando-o pela garganta.

— Eu sei, pai, eu sei... — Meu desânimo é visível. Não pretendo usar esse tipo de coisa. Ainda para dar linha à conversa, continuo — Você sabe o nome deles?

— O da garota é Ca...

— A comida chegou — minha mãe fala, enquanto ela e Larissa trazem as panelas para colocarem na mesa — vamos esquecer esse assunto?

Depois que como, volto para meu quarto e deito na cama, não tem mais o que fazer na mesa. Coloco meu celular para carregar e nesse exato momento recebo uma ligação.

— Daniel, ficou sabendo que amanhã não vai ter aula? — dispensou “boa noite”, “como está?”, “tudo bem?”.

— Okay, mas por quê?

— Um menino da sua sala morreu e você nem sabe? — do jeito que fala, parece ser minha obrigação saber quem é.

— E eu com isso? Eu tenho que entrar de luto pela pessoa?

— Daniel, você realmente não sabe quem é?

Nessa hora a ficha cai, meus olhos se enchem de água. Dois adolescentes descendo a rua da escola, um garoto e uma menina.

23 mortesOnde histórias criam vida. Descubra agora