Capítulo 8

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Subo o morro no primeiro horário da manhã, entro no barraco e caminho direto para minha mesa, vejo as anotações e quase surto com o número de lojistas inadimplentes, sem condições esse quadro se arrastar por mais dias, desse jeito ao invés de assumir o morro eu vou é deixar meu couro aqui.

— Val, e todas essas pendências? Que tá pegando? Já coloca para receber... segura o que tiver— Folheo algumas páginas e quanto mais vejo mais indignada fico— tem gente aqui que está devendo desde a primeira mercadoria, — assumo uma postura firme e dou ordens rígidas— parada é a seguinte, se não pagar com grana vai pagar com o coro.

— É que vão empurrando com a barriga, na realidade a senhora sempre dá oportunidades, aí por te acharem boazinha pensam que é só chorar uma história triste que tudo ganha uma segunda chance. — Ela fala sem jeito.

— Não tem corpo mole, não tem oportunidade, atrasou mais que dois dias, pode resgatar o que tiver de valor e se não tiver é ripa na chulipa... droga é luxo, tem que ter responsabilidade, já pode botar pra derreter que esse dinheiro poderia estar na minha conta, mas está na mão de vacilão— soa até grosso o modo como falo, contudo é necessário.

— Essa que é a parada, já vou no corre— Val fala e antes que ela saia, Heloísa entra e diz que precisa conversar com nós duas.

— Chora gata! — Brinco para quebrar a tensão no ar.

— Seguinte, já tem quase dez dias que a mercadoria do TOM está estocada, e ele até hoje não pegou, o que vamos fazer? Vai ficar lá? Estou preocupada, pois é muita coisa e se rodar ele vai querer nos responsabilizar por isso... — Ela diz apreensiva.l

— Pode deixar que eu ligo pra ele, vou ver o que ele quer que façamos, deve estar atarefado com as novas funções que está desenvolvendo... — Val se prontifica bem entusiasmada e isso me incomoda.

—Follow tô voltando para a pista, o corre não para!! Quando tiver uma posição da um bipe no rádio. Fé minhas irmãs!!— Ela se despede saindo.

— Fé!! — respondemos em uníssono.

— Tem notícias do Dono? Como está o morro depois da invasão? Eu soube apenas o essencial, as coisas aqui estão uma loucura...— Pergunto tentando esconder meu completo interesse

— O morro tá voltando a rotina, Tom foi nomeado dono provisório, está se habituando às novas funções... que nem a senhora está aqui... Huuuum ! Nem te conto, ele já estava bem considerado pelo Dono, aí no meio do tiroteio Tom se arriscou para salvar uma criança e adivinha só? A menina é sobrinha do Dono, agora é Deus no céu e Tom na terra— Ela fala com entusiasmo de fofoqueira.

— Eita, eita! A rádio patroa tá no 220 heim!! Como você fica sabendo dessas informações tão particulares?— Deixo meu lado fofoqueira aflorar.

— Da menina nem é tão particular assim, todos estão sabendo. Foi o feito da operação, mas lhe respondendo... eu fico sabendo através da minha prima, ela trampa na casa da mãe de Tom.

— Certo, já vê lá como vai ser sobre a mercadoria dele, e já passa para Heloísa, qualquer coisa pede pra ele me ligar ou colar aqui caso prefira— Digo fugindo desse assunto, estou indo rápido demais.

Se tem algo que eu sei que deveria ser feito por mim, é resolver essa questão da droga do tom, porém não estou nenhum pouco afim de esquentar meu juízo com isso, só o nome dele já me bagunça inteira.

Volto minha concentração para o que estou fazendo, pelo visto tem muito o que ser revisado e eu não estou gostando nada dessas falhas que venho encontrando, certo que eu tenho de acompanhar, contudo a função que designei para Val foi justamente a de supervisionar a distribuição e recebimento das mercadorias. Assim que terminar de revisar tudo e dependendo de como estejam as coisas, infelizmente vou ter de fazer mudanças no quadro.

Odeio ter de remover pessoas do meu círculo de confiança mas, afinidade e responsabilidade devem andar lado a lado, não adianta só eu gostar da pessoa, em hipótese alguma vou deixar que as coisas desandem, quer queira quer não o morro é alçada minha.

Encontrei cada erro inacreditável, que por um segundo acreditei ser pegadinha, mas nem mesmo tenho tempo para um surto. Ouço batidas suaves na porta e me dou conta de que Tom está parado ali, ao que tudo indica não acabou de chegar, ou seja me viu conversar sozinha alguns minutos, uma vez que a porta está aberta e ele bateu apenas por educação.

Sorrio pequeno das palpitações do meu corpo ao vê-lo, me levanto rapidamente e o convido a entrar, assim que ele dá mais um passo vejo que trouxe Lennon com ele, parece até que nos ouviu falar dele, dada a distância, não deu tempo de Val ligar e ele vir, ou seja, já estava a caminho.

— Sentem-se — falo indicando duas poltronas individuais — Aceitam algo para beber? — Ofereço.

— Só agradece mana, mas eu tô de boa! — Lennon fala e olha para Tom.

— Eu também estou tranquilo... a Mana está muito ocupada? Precisava trocar uma ideia "responsa"...— Tom fala e faz uma pausa dramática.

— Ocupada sempre — brinco pois ele está passando exatamente pela mesma fase que eu, a diferença é que no morro dele tem um dono para arcar com tudo caso algo dê errado, no meu tem minha vida como garantia — Mas pode falar, é sobre sua mercadoria? Ela está segura só aguardando sua disponibilidade.

— A mercadoria eu sei que está em boas mãos, se duvidasse do seu potencial já teria vindo resgatar, pode ficar tranquila... o assunto é outro, um pouco mais sério e muito mais importante — ele fala se levantando e indo até a porta, confere se tem alguém por perto, me olha esperando aprovação e fecha passando a chave assim que confirmei, confesso que meu corpo estremece e sinto um receio mesmo sabendo que não tem nada de mais.

— E o que seria de tão importante? — Pergunto sem esconder minha tensão.

— Precisamos do apoio do seu morro para uma missão, antes de vir até aqui conversei com Papa, vou me explicar para que não me interprete mal, não fui nele primeiro por te desmerecer como a Dona do Morro Celeste, fui até lá, pois ele é quem estava respondendo por tudo, contudo ele já deixou explícito que essa decisão é exclusivamente sua e eu gostaria muito de poder contar contigo. — Tom introduz o assunto me deixando ainda mais tensa.

— E eu posso saber qual missão seria essa? E que tipo de apoio espera que eu ofereça?— Pergunto pensativa.

— Claro, já vamos chegar nessa parte...— Ele continua com seu rodeio.

Eu odeio do fundo da minha alma quando ficam fazendo suspense, já que despencaram lá do morro deles até aqui, não entendo a dificuldade em falar logo o que querem, o máximo que vão receber é um não como resposta, absolutamente nada além disso, canseira eu heim.

— Aguardando!! E se puderem parar de suspense agradecerei muito. — falo com voz de impaciência. Papa vive me corrigindo, diz que uma hora ainda vou arrumar uma dor de cabeça pelo meu jeito de falar e eu até tento me policiar, mas tem hora que excede.

— Não é suspense, é que devem ser dito do jeito certo, não dá pra chegar aqui e despejar as palavras na senhora e esperar que a mana simplesmente aceite— Lennon, intervém e eu vejo que deixei meu stress sair do controle, acredito que me exaltei mais do que deveria, tento corrigir minha postura abrandando meu timbre de voz.

— Certo, não nos exaltemos, prossiga mano, qual a missão, o que estiver ao meu alcance certamente poderão contar comigo— Falo e apesar de nervosa, estou sendo sincera.

— Vamos resgatar o Dono, precisamos de toda ajuda possível, os outros morros aliados vão nos auxiliar, porém o seu tem a localização geográfica perfeita. Se estiver de acordo vamos marcar uma reunião para esclarecer o plano, de um jeito ou de outro ele vai sair de lá, essa prisão foi pura armação.

Penso alguns segundos, processo a informação e é claro que vou apoiar, não quero me indispor com quem me recebeu tão bem quando cheguei.

— Certo, pode marcar a reunião e me enviar uma mensagem ou pedir que alguém venha me informar, estamos juntos nessa missão.— digo.

— "Só agradece" pelo apoio, vai ser reconhecido, pode acreditar!

Ambos se despedem e eu fico sentada em minha cadeira refletindo sobre como pode o dia não ter chegado a metade e já ter acontecido tantas coisas. Cada minuto é uma aventura diferente, se eu contar tem gente que não acredita.

A DonaOnde histórias criam vida. Descubra agora