7. Ojapité papi

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Os sinais da chegada da primavera finalmente tornavam-se mais evidentes. Era como se tudo estivesse renovado pelo simples fato da paisagem estar se transformando: a neve começava a derreter dos picos das montanhas e a água começava a formar os pequenos riachos que voltariam a correr pelas planícies, o frio já não incomodava tanto, as flores desabrochavam e os pássaros voltavam a cantar o dia inteiro. A primavera agradava a todos, aparentemente.

As visitas de Nayeli à lagoa se tornavam cada vez mais frequentes, dando espaço para uma amizade que desabrochava entre Nayeli e William, o estranho explorador. Conversavam quase todas as tardes. Compartilhavam culturas e trocavam perguntas, tudo ali era animador e intrigante para Nayeli. 

Outro dia, saíram para observar os pássaros. William ficava maravilhado com a incrível capacidade de Nayeli de imitar as aves, e quando se aproximavam, ele não deixava de esboçá-las em seu caderno. Precisava admitir que havia se apaixonado por aquele lugar, tão cheio de vida e beleza. Nayeli estava certa quando dissera que tudo ali tinha sua essência, tudo estava ali por um motivo.

Tatanka não quer que sejamos rudes com suas criações — ela olhou para Olhos Azuis, depois desceu o olhar para o rifle que carregava consigo — Nenhum cervo virá atacá-lo, William.

— Chama-se caçar.

— Então está com fome? — ela o olhou nos olhos, sorrindo de lado, já sabendo que venceria a breve discussão

Ele permanecia perplexo. No início não entendia, não era capaz de entender. "Animais foram feitos para isso, não?", ele tentava argumentar. Mas Nayeli o ensinava. O ensinava como se fosse uma criança, que ainda precisava aprender que "se matar tudo o que corre pela terra, mais tarde não terá nada para correr atrás, e assim morrerá de fome." Ela fazia William pensar delicadamente sobre coisas que jamais havia dado atenção  ou importância, como o simples desabrochar de uma campânula ou o nascimento de um filhote de columbina.

Outras vezes, ele tentava ensiná-la o alfabeto, e esperta como era, Nayeli rapidamente aprendia o som de cada letra. Os idiomas finalmente começavam a se mesclar. "Ne" e "Olá" já não pareciam ser diferentes. Mas toda aquela conexão se encerrava antes que o Sol baixasse. Era sempre a mesma coisa. Eles se despediam na lagoa, e nunca tinham a certeza de que se encontrariam de novo.

— Isto? — William pousou a mão sobre o nariz

Muvi.

E então ele pousou um dos dedos sobre os lábios.

— Se diz tep — Nayeli respondeu, sorridente

William ponderou, com certo entusiasmo. Rapidamente apontou para seu cabelo.

— E isto?

Papi — Nayeli se aproximou dele, buscando uma de suas mechas loiras e a segurando com as mãos — Ojapité papi

—Cabelo amarelo? — perguntou, um tanto animado

E ela fez que sim com a cabeça e William ficou a olhá-la, sorridente. Se lembraria daquelas palavras para anotá-las mais tarde em sua caderneta. Não conhecia um único branco que falasse ou entendesse a língua dos comanches, e se sentia, de certa forma, orgulhoso por pelo menos tentar.

Era um dia um tanto agradável. Embora houvessem nuvens negras, o Sol ainda iluminava boa parte da paisagem, realçando as montanhas que estavam mais a frente e destacando a relva na qual estavam sentados, tão verde e macia. Ao fundo, só se ouvia o esporádico cantarolar de columbinas e o atrito entre as folhas. Nayeli podia sentir em sua pele, após uma rajada de vento, que a chuva viria em breve. Parecia que cantava em seus ouvidos.

Ventania [NÃO FINALIZADO]Onde histórias criam vida. Descubra agora