Capítulo 3

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Sinto o suor escorrer sob minha pele, enquanto corro na esteira da academia. É tão estranho como o simples fato de estar correndo me traz flashbacks e não consigo evitá-los, ainda mais com a academia vazia. Me distraio em meus pensamentos e só consigo lembrar do horror de correr de volta para casa, para longe daquele horrível ser. Recordo dos mínimos detalhes. Como o vento frio que percorria as árvores e o uivo que se estendia pela floresta. A ideia de estar longe de Waterfall não foi das piores, conseguia dormir pela noite, mesmo que algumas vezes fosse despertada pelos pesadelos. Contudo, uma estrangeira com hábitos diferentes não era quem os adolescentes costumavam chamar para suas festas. Havia vezes que a dor invadia meu peito fazendo-me pensar em desistir, mas Luiza, a única pessoa mais 'próxima', se é que posso falar assim, sempre me trazia de volta à luz.  É como se a escuridão me perseguisse por todos os lados que vou, como um tipo de parasita. 

O alarme do relógio ecoa. 

— Droga! — resmungo ao perceber que esqueci do meu encontro com Luiza no circo. 

Sua ligação e o convite tinham me pego de surpresa, há tempos não saio com alguém. 

...

Eu realmente precisava de algo para me entreter. De longe, consigo avistar a fachada iluminada do circo em contraste com os prédios antigos. Sinto minha barriga roncar pelo cheiro da pipoca amanteigada que se expande pelo vento, fazendo-me apurar os passos. 

— Sejam bem-vindos! — grita o homem na entrada do circo. 

— Venham e comprem seus bilhetes! — grita outro homem perto de uma pequena tenda. 

Vejo a fila enorme e suspiro aliviada por Luiza já ter comprado os bilhetes. Eu até tentei pagar a minha parte para ela, mas acabei desistindo da ideia. Sinto que a mesma jamais teria aceitado meu dinheiro. 

Fui eu que dei a ideia, além disso, você precisa se divertir um pouco — lembro das palavras de Luiza ecoando nitidamente dentro da minha cabeça. 

Caminho pela multidão entusiasmada, entre risadas e gritos de crianças encapetadas até a parte de alimentação, onde combinei de me encontrar com Luiza. Ao chegar, como já temia, sou abordada pela sua expressão séria. 

— Está atrasada Lucy, que diabos você estava fazendo? 

— Eu só me atrasei um pouco. 

— Meia hora é pouco para você? Não lembrava desse seu lado enrolado. 

Abro a boca para dar alguma desculpa, mas desisto, não acho que vá mudar muita coisa. Não quando se trata de Luiza. Ficamos em silêncio enquanto pagamos pelas pipocas, e continuamos assim ao andarmos pelo parque. Não nos encontramos com frequência ultimamente, então não havia nada de interessante para conversar. 

 — Ei, Lucy! 

— O que foi? — pergunto assustada. 

— Você está bem? Parece meio perdida. 

— Claro, estou sim, não é nada. 

"Você está bem?" como detesto essa pergunta. 

— Pois, não parece, vamos, se anime, olha lá, que tal irmos ao trem fantasma?! 

— Trem fantasma? — indago, e logo avisto a tenda que Luiza está apontando. 

Trem fantasma  a maldição do lobisomem

Por um momento me pergunto se realmente li a placa corretamente e começo a sentir um arrepio pelo meu corpo. Não que eu odeie coisas de terror. Quando pequena, eu e meus avós costumávamos assistir alguns filmes no vídeo cassete, logo após o pôr do sol. O do palhaço assassino era o meu favorito na época. Lembro que ele tinha uma estranha mania de devorar crianças, principalmente as de capas de chuva amareladas. Contudo, nunca tive uma relação muito boa com lobisomens, pelo menos nada que se assemelhasse aos lobos. Principalmente, não após o que houve. 

Os Últimos MestiçosOnde histórias criam vida. Descubra agora