Capítulo 1

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— Quem morreu? — pergunto.

Algo em sua feição me parece estranhamente familiar, como se eu pudesse ver pena e apreensão revestindo seu olhar. Não é de estranhar que Rose, ou a mulher que eu deveria chamar de mãe, estivesse perambulando entre os cômodos por toda manhã. Alguma coisa está deixando-a inquieta e eu tenho quase certeza que não é algo que eu vou gostar de saber. 

— Ninguém morreu, Lucy! Pelo menos ainda não... 

— O que foi que aconteceu então? 

— Seu avô foi internado! É isso, falei. 

Rose suspira aliviada por ter se livrado daquele fardo, deixando-me sem palavras. Por um momento tento me convencer que tudo foi um mal-entendido. Minhas pernas fraquejam, mas eu não me permito sentar, pois não quero ter que aturar sua pena. 

— Você está se sentindo bem? — indaga Rose ao perceber que eu havia me calado. 

 Se eu estou me sentindo bem? Fala sério, como ela consegue ser tão idiota! 

— Eu estou bem — minto, desviando o olhar. — Não precisa se preocupar comigo, eu não vejo ele faz tempo mesmo. 

As palavras saem rasgando minha garganta. Rose jamais seria capaz de sentir a minha dor. Não que eu a julgue por não estar com seus olhos inchados. Ela não teve boas recordações com meus avós, e eu também não teria se fosse expulsa de casa antes de completar dezoito anos. 

— Sério? Por um momento pensei que você ia ficar desesperada — Rose fala como se tivesse realmente acreditado em minhas palavras. — Mas se você quiser eu posso tirar uma folga — continua, mesmo já sabendo a resposta.

— Pode ir. Eu já disse que estou bem.

— Eu vou voltar mais cedo, hoje — insiste. — Podemos pedir uma pizza e ficar até mais tarde assistindo filmes. 

Ela desvia sua atenção para o relógio que começa a apitar. 

— É... eu tenho que ir agora. 

Rose me abraça sem jeito, antes de retocar seu batom e sair apressadamente pela porta, como se nada houvesse acontecido. Sempre me perguntei se realmente era sua filha ou se simplesmente tive o azar de ser trocada na maternidade. Meu cabelo ruivo e ondulado não chega perto do brilho do cabelo marrom e liso dela. Quando Rose passa na rua, não tem ninguém que não pare à procura de admirá-la. Não que eu queira chamar atenção, mas é realmente estranho o fato de sermos tão diferentes. Provavelmente puxei os traços do meu pai, mas jamais terei certeza. 

Espero seus passos deixarem de ruir pelo corredor, e desmorono ao chão, permitindo que minhas lágrimas escorram.

 — Merda! 

Eu não quero passar por esse inferno de novo. Ver minha avó perdendo o brilho de seus olhos aos poucos já foi horripilante o suficiente. Se ao menos Franklin não estivesse em Waterfall eu poderia vê-lo, mas, realmente não quero encarar esse sofrimento outra vez.  

Se acalme — digo a mim mesma, balançando a cabeça para manter a sanidade. 

Levanto, apoiando-me na parede e vou para o meu quarto. Não há nada que eu possa fazer. Eu não quero ter de assistir meu avô definhar. É mais fácil fingir que isso não está acontecendo do que continuar me remoendo. Deito na cama macia, fechando meus olhos e a única coisa que vejo é seu rosto já enrugado, olhando-me como se eu não valesse tudo o que ele pensava. 

...

Protejo meu rosto com o braço por conta do vento forte e acabo, por distração, me molhando ao pisar em uma poça. 

Os Últimos MestiçosOnde histórias criam vida. Descubra agora