Agostin havia chegado às oito como prometido, durante a noite gélida e silenciosa, mas algo nele me parece estranho. Ele está distante, como se algo em seus pensamentos o distraísse e não falou quase nada desde que entrei no carro. Sua feição não apresenta sinais de estresse, o que me faz excluir a ideia de ter tido um dia ruim no trabalho. É difícil decifrar o que ele está sentindo.
— Gostei de como ficou nesse vestido — diz.
Me surpreendo pela quebra do silêncio. Olho para minha perna à mostra e puxo o tecido um pouco para baixo. Eu havia escolhido um vestido vermelho, com um leve cheiro de mofo, por conta do tempo sem uso, mas era a minha melhor opção para hoje.
— Você também não tá nada mal nesse terno — falo, aliviada. Talvez fosse a forma como ele se destaca, sendo tão elegante e cercado de amigos, que tivesse chamado minha atenção. Era alguém totalmente o oposto de mim.
— Chegamos. — Quando ele avisa, noto que havia divagado durante todo o trajeto.
O carro para em frente ao bar, iluminado por uma luz fraca. Não há fila, tampouco segurança no lado de fora, apenas uma mulher com um vestido brilhante, segurando um cigarro entre os dedos. Agostin abre a porta e se afasta para que eu saia do carro. Quando entramos no bar, algumas pessoas extremamente arrumadas nos encaram com curiosidade.
— Vem, vamos achar um lugar para sentar.
Aqui dentro é bem diferente do que havia pensado. Há uma barra de pole dance no meio do bar, onde uma jovem de cabelos cacheados dança extravagantemente. Perto dela também se encontra um balcão de bebidas, amplo, quase vazio, onde acabamos sentando em frente. A música, apesar de alta, é suave e boa de se ouvir, o ambiente é alegre, mas não tão animado quanto seria em um simples boteco.
— Você gostou daqui?
— Bem... é interessante — minto.
Nunca me imaginei em um lugar assim. A maioria das pessoas frequenta esses locais para amenizar seus traumas com bebidas, mas no dia seguinte, quando o efeito do álcool passa, acabam por sentir aquela dor de novo, o que os propõe ao vício. Ao contrário de mim, que tenho outras formas de abafar minhas angústias. Sei disso porque já vi muitas vezes Rose dormindo com a cabeça escorada na mesa, ao lado de uma garrafa de vodca pela metade. Isso quando não passava a noite fora. Ela havia encontrado uma forma para esquecer o seu passado e acabou se apegando nisso.
— Me vê um gim — fala Agostin para o barman, após cumprimentá-lo. — E para ela...
— Eu não bebo.
Ele me encara, intrigado.
— Não fale isso. Não vou deixar você sair daqui sem beber nada. Além do mais, é por minha conta.
Penso por um momento e percebo que mesmo negando, ele continuará insistindo e posso me dar ao luxo de uma noite apenas fingir ser normal, então acabo cedendo.
— Uma taça de vinho tinto — falo e Agostin sorri em vitória.
Olho para o lado, curiosa ao ouvir o barulho de gritos eufóricos, e avisto no canto do bar, um grupo de jovens jogando dardos, tentando acertar no alvo. Perto deles, também há dois homens que dançam lentamente ao som da música, sem ligarem para os sussurros alheios. Como se estivessem tão apaixonados que nada de fora os afetassem e me pergunto se um dia terei isso.
— Você está distraída hoje — fala, fazendo-me desviar a atenção.
Ele me fita com o olhar como se quisesse saber o que estou pensando.— E você está mais quieto que o normal.
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Os Últimos Mestiços
FantasíaUma cidade cercada por grandes e famintos lobos, um território para caçadores impiedosos, um local onde corvos tenebrosos circulam pelo céu gélido. Essa é Waterfall! Lucy Foxter é uma jovem policial, que apesar de todas as perdas e traumas que viveu...