Depois de longas horas de trabalho, finalmente terminamos de preparar o corpo. Agora, a família poderá enterrá-lo em paz. Quando olho o relógio do consultório, já passava das 18h45. Todos nós estávamos exaustos. O médico mal conseguia mexer os dedos de tanto tirar fotos, minhas mãos tremiam de cansaço, e o novato, coitado, ainda estava desacordado. Ser seu primeiro caso provavelmente o abalou mais do que eu imaginei.
Com um momento de empatia, decido levá-lo para a minha casa. Afinal, ele foi útil, e eu também aproveitaria para digitalizar suas anotações.
– Bom, por hoje terminamos. Pode levar o corpo, e obrigada pela cooperação – digo ao médico.
Ele assente em sinal de agradecimento, começando a remover a maca com o corpo. Viro minha atenção para o novato, que continua desacordado. Pela sua estatura, não parece tão pesado. Coloco minha bolsa à frente, abrindo espaço para posicioná-lo nas minhas costas. Confirmo: o peso estava dentro do esperado.
Ao sair do necrotério, vejo o céu alaranjado pelo pôr do sol, com nuvens escuras já se formando — parece que a chuva se aproxima. Com certa dificuldade, por causa do peso do novato nas costas, pego o celular e chamo um motorista de aplicativo. Em poucos minutos, um carro preto para em frente ao local.
– S/N?
– Sou eu.
Assim que abro a porta, o motorista encara o novato inconsciente nas minhas costas com desconfiança, e uma pitada de indignação.
– O que é isso nas suas costas? – pergunta ele, em tom firme.
Saindo do necrotério com alguém desmaiado nas costas, sua reação é compreensível.
– É um estagiário – respondo, sem alterar a voz. – Está no curso de perito criminal. Não aguentou o caso.
– Entendi – responde, ainda que relutante.
Entro no carro sem me deixar abalar pelo clima tenso, confirmo o endereço e seguimos caminho. Alguns minutos depois, já estávamos em frente à minha casa. A noite havia caído, e o novato ainda permanecia desmaiado. Coloco-o no sofá da sala, deixo minha bolsa no chão e noto que o relógio já marcava 19h50. A noite estava apenas começando.
Com o novato desacordado no sofá, decido adiantar meu trabalho. Reúno as provas, o caderno com as anotações e a câmera com as fotos, e me dirijo ao escritório ao lado do meu quarto. Ao acender a luz, percebo o quanto deixei o ambiente abandonado. Tudo estava coberto de poeira: o computador, a impressora, até o quadro de anotações, que estava em perfeito estado, mas nunca havia sido usado. Sentada confortavelmente, começo a organizar o material: imprimo as fotos, digitalizo as anotações e as coloco no quadro. Estava preparada para mergulhar no caso, com toda a calma e precisão que ele exigia.
Depois de um tempo, o cansaço finalmente me vence. Um bocejo inevitável e uma espreguiçada, que faz minha coluna estalar como plástico bolha, revelam o quão exausta estou. Olho para o relógio e entendo a razão: 1h50 da madrugada. Respiro fundo e, em um impulso, verifico o bolso do meu sobretudo, retirando a pequena gravura de plástico novamente. Não é apenas um simples pedaço de material. É um sinal. Um aviso. Talvez eu seja a próxima. Essa ideia quase se confirma, mas não é algo com que preciso me preocupar agora.
Levanto-me da cadeira, alongando o corpo, e me preparo para um banho relaxante. Antes, pego a gravura e a fixo no painel, na parte mais alta, acima de todas as outras evidências. Sorrio de canto, quase satisfeita, e saio do escritório.
Na sala, observo o novato. Ele parece dormir, provavelmente devido ao cansaço extremo. De repente, ouço um som suave vindo de fora. Aproximo-me da janela e vejo os primeiros pingos de chuva. Minha premonição estava certa. A noite seria chuvosa. Sigo para o quarto e entro no banheiro individual.
Depois de um bom tempo, já limpa e de pijama, percebo que não posso dormir com a barriga vazia. Ao chegar à cozinha, ouço o som da TV ligando.
– Acordou, novato? – pergunto, me virando para ele.
Ainda está deitado, na mesma posição. O controle remoto, ao lado da TV, não foi tocado. Estranho. De repente, o canal muda sozinho para uma propaganda qualquer.
– Você! – diz o apresentador, com entusiasmo.
O canal muda novamente, agora para uma entrevista com algum cantor irrelevante.
– Me...
Outra mudança, dessa vez para um jornal local.
– Pertence...
A situação fica cada vez mais estranha. Aproximo-me da TV com cautela. A mesma frase continua a se formar enquanto os canais mudam rapidamente.
– Você! Me. Pertence.
Olho para o novato. Ele continua imóvel, não se mexe nem um pouco. O mistério cresce, e eu avanço mais, enquanto os canais vão mudando freneticamente, repetindo a mensagem.
– VOCÊ! ME PERTENCE!
Quando estou prestes a alcançar a TV, ela desliga abruptamente. Antes que eu pudesse reagir, um forte barulho vem da janela. Aproximo-me lentamente, cada passo tomado com cautela. Ao chegar perto, não vejo nada à primeira vista, mas então um relâmpago ilumina o ambiente, revelando algo que me gela até os ossos.
Lá fora, sua silhueta aparece. Um corpo alto, pálido e magro, com cabelos desordenados e negros. Seus olhos grandes e amarelos me encaram com um brilho inquietante, quase vidrados. E aquele sorriso. Aquele sorriso amedrontador e enorme, repleto de dentes amarelos. Ele parecia... me desejar. Queria me matar, se divertir com isso.
Assim como veio, ele desaparece, acompanhado por outro relâmpago e o ribombar de um trovão. O pavor me atinge como um choque, deixando-me paralisada. Viro-me lentamente e olho para o novato. Ele permanece na mesma posição, imóvel. Questiono a veracidade do que acabei de ver. Foi o cansaço que me fez delirar? Ou seria o assassino de Naiara?
Esse caso me trará sentimentos que mal posso descrever. Com um misto de adrenalina e uma calma repentina, decido ir dormir, já ansiosa pelo que o próximo dia trará.
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Por Trás de Jonh Doe
FanfictionEm uma manhã cinzenta, uma investigadora forense de 25 anos luta contra a monotonia e os arrependimentos de sua juventude. Após um encontro perturbador com um bêbado, ela se depara com a rotina entediante do trabalho até que seu chefe, Dimitri, lhe...