A Melhor Amiga Que Eu Já Tive, parte 1

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Relato encontrado nas anotações de Lilly Marie, intitulado simplesmente como: "A Melhor Amiga Que Eu Já Tive", data desconhecida. O texto a seguir parece ter sido escrito em períodos de tempo diferentes.

Eu consigo pensar em dois jeitos para começar a minha história. A primeira forma seria o dia do meu nascimento, mas após pensar um pouco, a segunda maneira é muito mais importante, porque toda a minha vida antes de conhecer Mika é descartável.

Queria falar sobre algo que tem acontecido no ensino médio, eu me mudei um monte desde a infância, o que fazia ser bem problemático manter qualquer amizade. Não ajudava nada eu ser horrenda: uma baleia baixinha e gorda, com cabelos vermelhos como o inferno e uma quantidade exagerada de sardas e espinhas; parte de mim parece um demônio, a outra parte é só cômica e patética, nunca conheci alguém que discordasse. Mas para ser sincera, eu cheguei bem perto de manter algum tipo de amizade antes, mas.... É melhor eu continuar escrevendo, logo tudo vai fazer sentido.

Enfim, o negócio é que tinha essa guria chamada Mika que era mais detestável do que eu jamais poderia ser nos meus pesadelos mais febris. Nos primeiros três meses em que compartilhamos a mesma classe, eu falhei em notar qualquer sinal de sentimento. Sabe nos filmes, quando eles tentam retratar um humano sem sentimentos e é praticamente um robô? Com ela era diferente, ela era só "aleatória", é a melhor palavra que eu consigo pensar pra descrevê-la. Tipo, se tu perguntar qualquer coisa pra ela, ela não vai te ignorar, mas vai levar uma eternidade pra responder; pergunte de novo exatamente a mesma coisa, a resposta vai ser completamente diferente. Ela parece que te escuta, mas ao mesmo tempo, não. Quando algum ser – bem ou mal-intencionado – tenta falar com ela, é muito fácil de desistir depois de uns minutos de monotonia. Maioria tenta ir embora da forma mais educada possível. A verdade é que conversar com ela é muito solitário às vezes.

Mika é uma menina, mas olhando de longe pode ser confundida com um garoto. Cabelo curto e loiro levemente caindo em seu rosto, tábua despeitada, e mais... as roupas de cima parecem de homem – tipo, homem mesmo, bem mais velho, grande demais nela –, no caso, um casaco preto gigantesco que engolia as suas mãos e uma camisa branca por baixo. Contudo, as vestimentas na parte de baixo eram até que bem fofas, usava uma saia longa escocesa e uma meia-calça, e também sapatos horrorosos que não combinavam nada; mesmo assim era difícil de não olhar. De uma perspectiva geral, eu teorizo que ela pegou a primeira roupa que viu e decidiu usá-la pra sempre como algum personagem de desenho animado.

O corpo dela também me deixa meio confusa, tipo, ela é uma menina bem magrinha, até meio delicada e frágil, mas o rosto... é difícil de explicar. É muito calmo, vazio e um pouco (bastante até) assustador; me lembra um pouco aquelas crianças tímidas e educadas que te atendem quando os pais estão fora. Eu diria que é uma mistura estranha entre masculinidade e feminilidade. Seu nome sugere alguma origem oriental, mas eu não tenho certeza; talvez seus pais fossem de países diferentes? Sei lá, ela não parece toda asiática, só tem traços.

Pela minha descrição, dá pra acreditar que ela é bem mais jovem, mas na verdade nós duas tínhamos quatorze na época. Existem pessoas que crescem mais rápido que outras; eu provavelmente vou ser igual ao que sou com dezoito ou vinte anos, enquanto ela mudaria mais.

Não sei o que deu em mim, tentei falar com a sonsa. Prometi que não teria mais amigos, vai ver só achei que fosse impossível eu consegui desenvolver qualquer tipo de amizade com a senhorita esquisitona aí.

Falei com Mika no recreio, ela demorou muito pra responder qualquer coisa, como esperado. Sério, acho que ela esqueceu o próprio nome, quando eu a perguntei levou três minutos inteiros até eu finalmente ouvir a resposta dita de forma amarga, vazia e seca, até um pouco grossa.

A Tragédia de Mika Sem Sobrenome e a Maldição dos PequenosOnde histórias criam vida. Descubra agora