Tudo era alto. Uma montanha branca com um rio bem fino: uma cauda feita de água que abana ruidosamente no fim do monte. No topo alto e frio, onde tudo no universo fosse quente contra a pele tão rígida e enrugada, a neve seria profunda e os fios do cabelo já estavam parecidos com galhos feitos de geada, e ela seria sugada gentilmente para o fundo da terra.
Ela afundaria e adormeceria. Acordaria em uma bolha feita de água, água fina e suave moldada perfeitamente em uma esfera numa imensidão branca, cercada por neve que caia do lado de fora, e do ar rarefeito de dentro. Sem nenhuma borda ou chão, no limite do espaço em branco, sem já ter havido tempo ou história ali. E neste espaço nascendo, com várias esferas de água flutuando, só havia uma com um ser feito de carne dentro. Mas olhando para sí, ela percebia que já não era tão humana assim. Não havia mais roupas. Como árvores, sua pele estava revestida de folhagem - ou seria orvalho moldado como folha? Era quase verde e quase transparente: era parte dela e lhe cobria como cetim os braços e as pernas, longo e macio. Não havia mais sobrancelha, cílios ou cabelo, e sob a cabeça escorria finíssimos fios vermelhos, claros e escuros, macios e brilhantes, quase como um emaranhado de fitilhos de seda, como caminhos corridos por lágrimas de sangue, porém longos e perfumados, com cheiro de empatia.
Seus pés tocavam uma terra feita de vidro onde tudo era reflexo, e todos, de alguma forma, se pareciam. Luas eram permitidas a diminuir de tamanho e vim visitar as vidas que andavam por ali, orbitando as como satélite, e conversando como fadas. Redondas e brilhantes sem alterar sua forma, formando sons e palavras quando tremiam. Tudo ali parecia saber comunicar-se, de forma que não causa desentendimento. E os sabores eram sempre extravagantes, e na língua podia sentir-se o paladar de uma primeira experiência em cada garfo, em cada golada. E os mais barulhentos dos planaltos era um ermo florido, que respirava ruidoso como o oceano acompanhado pelas ondas.
Não haviam pés que ansiavam fugir dali ou pensamentos que temiam a morte. Qualquer corpo seria agraciado pela sorte de repousar ali. E cada adormecer seria tomado com a mesma exaustão do fim de uma vida. Cada silaba e mover existindo, e sendo regido pelo paciente existir. Eternamente.
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Futura Memória da Existência
PuisiQuando eu me for e só sobrar as minhas palavras, quem julgará as minhas memórias? Essas são lembranças das fantasias que encontrei, dos eu's que eu conheci, e das companhias que me afeiçoei, contadas em contos.