01. Eva Fleur

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Faz uma semana que o mundo comemorou o Ano-Novo e é como diz aquele ditado: ano novo, vida nova. Bom, pelos menos para mim é realmente o começo de uma vida nova. Eu finalizei o ensino médio há alguns meses e não poderia estar mais feliz com o fato de que agora eu sou livre.

É tudo que eu mais quero para este ano, ser uma pessoa completamente desprovida de responsabilidade, principalmente se envolver trabalhos em grupo estressantes, slides cheios de efeitos de transição bregas e provas impossíveis de serem concluídas sem o surgimento de uma crise de ansiedade.

Estudar em um colégio interno pode ser bem difícil quando se tem uma alma que clama por liberdade vinte e quatro horas por dia. Sobretudo se você foi parar em uma dessas instituições à força. Meus pais — que não são nem de longe os melhores pais do mundo — literalmente me jogaram em um internato, alegando que eu atrapalhava a rotina de viagens deles.

Eu sei, é bizarro.

Acho que é porque eles nunca quiseram ter filhos. Embora dissessem, poucas vezes, que me amavam, eles nunca esconderam o fato de que eu não tinha sido planejada.

Porém, não posso reclamar.

Além de eu ter conhecido pessoas incríveis nesses mais de dez anos de colégio interno, antes de sumirem do mapa, meus pais também depositaram uma generosa quantia em dinheiro para mim, como uma forma de consolo, à qual eu somente teria acesso quando atingisse a maioridade e após o término do ensino médio.

Felizmente, não somente os dezoito anos chegaram rápido, como também os vinte, o que significa que eu já tenho acesso a este dinheiro há uns dois anos. Nas mãos de alguém irresponsável e sem o mínimo de bom senso, este capital seria torrado em poucos dias, por sorte, eu sou inteligente o bastante para saber que investir em educação financeira nunca é em vão. Gastei pouco nesses anos de estudante e agora posso viver tranquilamente fazendo aquilo que eu mais gosto: nada.

Tudo bem, não exatamente nada.

No meio tempo entre o término das aulas e a virada do ano, eu consegui encaminhar a minha vida em direção a rumos agradavelmente inesperados. Depois que concluí minhas atividades no Colégio Interno Feminino de Gérbera, eu e minha melhor amiga, Anna Duarte — que é rica — decidimos comprar um apartamento para morarmos juntas. Gérbera era agradável e nós não queríamos ir embora da cidade, especialmente depois que Anna abriu uma ONG para animais abandonados da qual eu me tornei madrinha e, posteriormente, sócia.

A motivação de Anna foi justamente o dia em que eu encontrei uma gatinha tricolor filhote — Ginger — sendo perseguida por uns garotos endemoniados na rua e a levei para casa. Ela ficou tão comovida com a situação que decidiu abrir a ONG para tratar dos animais abandonados de Gérbera. Era um sonho antigo nosso, um daqueles devaneios de pré-adolescente de quando se está tentando decidir o que fazer da vida, que há muito havia ficado guardado no porão das nossas mentes. Como dinheiro não era um problema para nenhuma de nós duas, então por que não?

Georgina, a namorada da Anna, é formada em administração e nos ajudou com todos os primeiros passos necessários para a abertura da ONG, à qual nomeamos de: "Amor de Ginger". Atualmente, nós fazemos parcerias com outras organizações, e com fornecedores de ração, produtos de higiene e de saúde animal, afinal, animais não são brincadeira e precisam de cuidados assim como os seres humanos.

Tudo vai bem.

No entanto, não tão bem assim. Apesar de também ter ido parar no internato contra a sua vontade, Anna tem uma relação muito boa com a sua família, diferente de mim que nem sei em que parte do mundo meus pais estão hoje em dia. Meus avós estão todos mortos e meus primos são o suprassumo da chatice, então eu me sinto meio sozinha no mundo às vezes. E, no fundo, eu sei que estou.

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