08. Fumaças Azuis Espectrais

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Se me perguntarem em que ponto do jantar eu decidi que ingerir álcool era uma boa ideia, eu não saberei responder. Bebo somente duas taças de champanhe e já fico com dor de cabeça.

Felizmente, deixo de ser o foco da conversa, o que diminui minha tensão e, consequentemente, faz com que eu aproveite melhor a ocasião. Agora posso enfim comer minha comida em paz, sem ter de parar, a cada minuto, para formular respostas bem desenvolvidas para perguntas inconvenientemente complicadas.

Os assuntos se diversificam e, quando percebo, já estou ouvindo sobre as travessuras de tia Susana e Aura quando mais novas. É bom. Até esqueço que estou em um jantar de negócios, tendo cada gesto meu milimetricamente julgado.

Ao fim da ocasião, não tenho o que reclamar da comida, todos os pratos estavam deliciosos, o sabor certamente permanecerá em minha mente por vários dias. Porém, se eu tivesse que escolher, meu prato preferido da noite seria, sem medo de errar, o sorbet de manga — sobremesas açucaradas sempre ganham meu coração.

A tranquilidade, contudo, é assolada no instante em que o casal Cadente se entreolha, se levantando de suas cadeiras, cada um com uma taça na mão. Meu coração congela.

Gostaria de saber como esses dois ainda conseguem ficar de pé depois de terem bebido tanto champanhe — juro que não percebi eles beberem uma gota d'água desde o começo do jantar.

— Bom, acho que já é uma boa hora para anunciar que, a partir de hoje, as Empresas Cadente Medicamentos e Cosméticos e a ONG "Amor de Ginger" são oficialmente parceiros — vocifera Edgar, com bastante empolgação em sua voz.

— Não faltarão medicamentos para os seus cachorrinhos e gatinhos maltrapilhos, Eva — comenta Aura, saltitando.

Não ironicamente, eles estão mais animados do que eu. Mas consigo sentir, lá no fundo do meu âmago, um fraco raio de empolgação percorrer meu corpo quando percebo que todos estão a bater palmas.

— Fico muito feliz de firmar esse compromisso com vocês — digo, procurando as melhores palavras para o momento, em meio à minha mente conturbada e influenciada pelas doses homeopáticas de álcool que ingeri. — É sempre muito gratificante fechar parcerias com empresas que compartilham dos mesmos valores que os nossos.

— Tenho certeza que nossa parceria será duradoura, querida Eva — menciona Aura, sutilmente inclinando a taça de champanhe em minha direção.

— Meus parabéns, Eva — diz Edgar.

Agradeço silenciosamente com um tênue balançar de cabeça.

— Agora que terminamos o jantar, que tal irmos para a sala continuar a nossa conversa? — sugere Aura.

Minha tia concorda, o que indica que não voltaremos para casa nem tão cedo. A ideia de permanecer na casa dos Cadente por mais tempo não me agrada nem um pouco, pois minha bateria social está aos frangalhos. Não consigo mais fingir um sorriso sequer. Minha cara e a cara de quem chupou um limão azedo estão idênticas.

— Raul, leve a Eva até o jardim, garanto que ela está ansiosa para conhecer o local — relembra a anfitriã em um tom quase de ordem, enviando-lhe um olhar fuzilante.

Inquieto-me, pois tenho certeza que, assim como eu, Raul estava torcendo para que tivessem esquecido desse passeio ao jardim. A ideia de ficarmos em um mesmo lugar juntos, a sós, deve assombrá-lo tanto quanto me assombra.

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