24. Ponto de Ruptura

35 8 102
                                    

Três dormidas após minha primeira reunião com os Gladiadores — sim, somos todos meio nerds — o plano estava começando a ganhar forma, de modo que eu já consigo andar pelos corredores recebendo olhares fuzilantes que dizem "estamos com você".

Quando eu disse que meu poder de carisma e persuasão eram altos, eu não estava brincando. Eu me tornei uma celebridade entre os filhos de lume da Concentração só por ter proposto o óbvio (?). Como assim eles nunca pensaram em fugir antes? Ah, é, talvez tenham sido instruídos a isso. Mas será que a magia de controle dos objetos portadores das almas se expande de maneira tão ampla assim? É até difícil teorizar sobre um poder tão desconhecido.

Nos momentos em que estou em minha jaula branca, deitada sobre a cama rígida, analisando a escuridão acima dos meus olhos, é impossível conter os questionamentos que insistem em borbulhar em minha mente.

"Será que eles me deram alguma ordem desde que cheguei aqui? Será que eles têm controlado meus passos? Ou me dado ordens enquanto estou dormindo?"

É estranho, porque eu me sinto exatamente a mesma. Idêntica. Sou uma filha de lume há vinte anos, por isso nunca me senti diferente. Como poderia? Meus atos têm sido controlados todo esse tempo. Eu nem mesmo sei o que é me sentir diferente disso que estou sentindo. Pergunto-me como deve ser ter a chance de sentir o real poder de liberdade percorrer por minhas veias...

Sei lá. Talvez seja delírio pensar que há vida após essa prisão. Não fisicamente falando, porque óbvio que o mundo continua o mesmo lá fora, com ou sem mim. Eu me refiro ao sentir emocional. A sensação inescrupulosa de saber que sou livre. E que ninguém pode ditar meus passos além de mim. Era assim que eu costumava me sentir. Agora não mais.

Despretensiosamente, lembro do desejo que Mavetorã me deve. Eu poderia pedir pela liberdade dos filhos de lume, mas isso não impediria que fossemos caçados pelo nosso sangue mágico. Assim como se eu pedisse para que nosso sangue perdesse suas propriedades mágicas, nada impediria que eles encontrassem outro uso para nós, já que continuariam podendo nos controlar.

Droga, Mavetorã!

Um desejo? Somente um? Que merreca. Quem muda o mundo com apenas uma única oportunidade? Eu preciso de no mínimo uns vinte, para combinar com a minha idade. Um pedido para cada idade.

Está tudo escuro, estou com sono, mas nem mesmo sei se é noite. Eles podem claramente estar manipulando nossos horários. Preciso de paz. De liberdade. Mas, pelo que parece, só vou conseguir essas duas coisas quando eu dormir. Porque dormindo eu não lembro da realidade assombrosa à qual estou submersa. A menos, é claro, que meus pesadelos me lembrem. Torço para que não.

Não posso errar!

Quando acordo de manhã, me espreguiço, incomodada com uma rigidez estranha em meu pescoço. Credo, dormi muito mal, como se algo estivesse embaixo do meu travesseiro... Há algo embaixo do meu travesseiro.

Meu Deus, ela conseguiu! Mavetorã conseguiu enviar minha adaga diretamente para mim, e a fez aparecer em um lugar seguro. O travesseiro que eles me deram é tão vagabundo que qualquer um conseguiria sentir a presença de algo embaixo, principalmente um item rígido e afiado como a minha adaga de estimação, que eu nunca pensei que fosse cogitar usar.

Mas, por ora, preciso ser cautelosa. Encontrar um lugar para mantê-la segura. Mavetorã fez sua parte, agora eu preciso fazer a minha.

Levanto o lençol estrategicamente, para que as câmeras não me vejam colocar a adaga dentro das calças. Arrasto-me até o banheiro, onde esses amadores não colocaram câmeras — agradeço por isso.

Guardo a adaga dentro da caixa de descarga, onde imagino que eles não checarão. O local é bem pensado, pois não acho que eles vão revirar essa parte do banheiro. Minha cama e o lixeiro, tudo bem. Mas a caixa da descarga? Improvável, a não ser que eles estejam muito desconfiados de alguma coisa, o que, suponho eu, não é o caso.

MAVETORÃOnde histórias criam vida. Descubra agora