A broca

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[23 de maio, 1942. Em algum lugar dominado pelas Forças Aliadas]

Aviões soavam ao longe com seu ronco assustador e medonho. Uma fileira de diferentes bombardeiros chega praticamente ao mesmo tempo no deque do gigantesco porta-aviões e seus pilotos têm de taxiar no ar enquanto são pousados nas pistas.

Há gente demais ali, mas é um dia de vitória. É a primeira vez que as forças aliadas, conseguem levar a guerra até às portas de quem a começou. Choveram bombas em Berlim hoje.

O porta-aviões está vibrante com gritos e urras de soldados vendo os tão conhecidos Spitfires rasgando os céus acima de suas cabeças. Os pilotos de todos os aviões que pousaram já desceram, menos... menos um piloto esquisito que aparentemente não se importa em descer da aeronave. Ao que parece, nem mesmo o horário do almoço é capaz de fazê-lo reagir como uma pessoa normal. Quarenta e dois pilotos, quarenta e duas aeronaves enfileiradas como se fossem pássaros mortais, agora silenciosos, só que quarenta e um descem de seus respectivos aviões, menos ele.

Katterine Driscoll é a primeira a ficar preocupada com a situação do suposto "desaparecimento" de seu queridinho do esquadrão aéreo 24.

- Saiam da frente, saiam, saiam, porra! - gemia Katterine dando cotoveladas para que os homens agora bêbados lhe dessem passagem - Onde ele está?

Ela reconhece um dos pilotos do 24º batalhão aéreo e o agarra pelas lapelas da jaqueta de couro. Ela o sacudiu com tanta força que derrubou sua boina.

- Quantos de vocês conseguiram voltar? - ela grita ao soldado.

- Quarenta e dois de cinquenta e seis.

O rosto dela se converte em preocupação. Ela o solta como se tivesse recebido uma bofetada.

- Sabe me dizer quem perdemos?

Ele nega com a cabeça e acende um cigarro. Ele a oferece um e Katterine aceita.

- Perdemos Preston e Hudson. Esses são os que eu conheço. Henderson caiu no meio da plataforma deles, mas Montanari foi suicida o suficiente para bancar o herói e descer lá por ele... não o vi depois disso, aliás. Não sei se não levantou vôo ou só cortou as comunicações porque é um idiota.

Isso explicava motivo de ele ter desaparecido tão de repente mesmo após duas horas que o esquadrão havia chegado. Porém antes que ela começasse a chorar de maneira vergonhosa, uma escotilha ruidosa era aberta e todos os olhares do navio caiam nele. Katterine imediatamente se dirige até aquele Spitfire sujo e encardido que ainda irradiava fumaça de seus motores; haviam buracos de bala por toda a lataria e uma das asas estava bem amassada.

Porém, o piloto descia despreocupado ao se jogar na asa do avião. Ele bocejou e espreguiçou demoradamente.

- Milano! - berrou Katterine com um sorriso - Que merda... É a quarta vez que penso que você morreu!

Milano cospe no piso de madeira do navio e ainda não desde para o chão; encara o mar perigoso e a espuma que o navio deixa para trás enquanto mete as mãos nos bolsos da jaqueta marrom.

- Na verdade eu iria me fazer de morto e esperar que você fosse embora. Não vou morrer hoje. Nem amanhã. - rebate com o olhar mais frio que uma pedra de gelo.

Milano salta no chão e cai majestosamente em pé; Katterine se joga em seus braços esperando um abraço, mas Milano a afasta de si com pouca educação.

- Hoje, não, Kate. Estou com a cabeça cheia. - grunhe ele.

Ela fica frustrada, mas não diz nada. Ela o segue enquanto Milano abre caminho para a cantina; ele decide que é uma boa hora para acender um cigarro, e é o que faz no meio da fila da sala improvisada cheia de homens barulhentos e ruídos de garfos acertando pratos de porcelana.

Cidade dos Anjos: Ossos Do OfícioOnde histórias criam vida. Descubra agora