[Estação rodoviária, 01 de julho, Saratov, Sibéria, 5:04 a.m]
— Nikolai, você é doidinho de fazer isso... uma rebelião... Você tem todos os parafusos a menos nessa cabeça oca...
A neve e o vento frio fez com que todos tivessem arrepios; a fria camada de gelo alcançava seus tornozelos e ainda caía nos cabelos já frios de Nikiel, enchendo aqueles fios ruivos de pontos brancos. Isso fez ele se preocupar mais com ele.
— O cara de coruja precisa de uma touca. Tem algo aí? Ele... querendo ou não ainda é mais sensível que eu sovre o frio. Se eu tô congelando, ele deve estar morrendo de frio.
— Deixa comigo; eu trouxe um monte de roupas extra pra ele.
Iniel tira de sua mochila de lona uma touca azul, rosa e creme de lã grossa; Renzo a coloca na cabeça e solta uma risadinha. Nikiel salta da plataforma e caminha na neve entre a pequena multidão que se aglomerava pela rodoviária.
Estranhamente, Nikiel era o único que não usava uma roupa pesada para frio: usava apenas um casaco impermeável verde com o zíper aberto, jeans muito, muito gastos e um par de coturnos ainda mais surrados e encardidos. Ele nem usava luvas, tinha amarrado os cabelos num rabo de galo e deixado a franja cair no rosto. Parecia incomodado, procurando motivos pra se distrair.
— Por que você chama ele de “Cara de coruja”?
Nikiel ri.
— Os olhos dele são tão arregalados como os de uma coruja. Quando nos conhecemos ele piscava um olho de cada vez só pra me irritar.
— Isso não é verdade — murmurou Renzo pondo o soco inglês em sua mão esquerda.
Iniel o encara por um tempo.
— É... Ele é igualzinho uma coruja.
Renzo ajeitou a mochila com o escudo de Lamiel em suas costas.
— Eu vou bater em vocês dois! — ele ameaçou bater neles com o soco inglês. Ambos deram uns passos pra trás, mas rindo.
Ambos saem na rua com malas e mochilas. A madrugada os golpeqva com ventos frios de cortar os ossos, e os céus escuros anunciavam tempestade de neve, e para piorar, Renzo sentia sono. Um silêncio incômodo e tenso se formou entre os três, interrompido apenas pelo som de seus passos e pelo novo ruído mais comum de se escutar por esses dias: Nikiel comendo alguma coisa. Agora era um saco de batatinhas fritas sabor creme de cebola.
Iniel explicou que nas primeiras semanas de exílio, um Celestial vai procurar desesperadamente algo para recuperar as energias e se manter acordado. Muitos deles buscam apoio em sonecas sistemáticas, ou comendo de tempos em tempos. Iniel faz os dois, nas Nikiel pareceu paranóico demais pra conseguir dormir, então seu apoio foi encontrado ao forçar o próprio corpo a absorver os nutrientes da comida como os humanos. E ele não percebeu que estava comendo o dia inteiro.
Iniel ainda não contou que ele vai ter que vomitar uma hora ou outra, mas isso são ossos do ofício...
Mas por enquanto, tudo o que importa é que eles têm que caminhar quase dez quilômetros para chegar até o subúrbio que Nikiel precisa que Renzo chegue. Ele não sabe o que vai acontecer quando encontrar a família de novo, mas... pelo menos, quer proteger Renzo, o coração da rebelião.
— Você sabe que vão nos procurar por aqui, né? — começou Iniel — Estamos com uma criança que é um Celestial “indefinido”, uma relíquia histórica Celestial roubada de um valor importante e somos dois Exilados sem teto. A chance de isso dar errado é gigantesca.
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Cidade dos Anjos: Ossos Do Ofício
FantasíaUm garotinho, sonhos esquisitos e mundos que ele nem sequer imagina que existem aparecem diante de seus olhinhos. Com a morte de seus avós e o desaparecimento de seu pai, Renzo se vê quase sozinho no mundo; ele não esperava que os personagens de seu...