Conto 9: Drama

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A Cor da Pele

☆Capítulo Único☆

De frente a estação da capital de Luxemburgo, um minúsculo país da Europa Ocidental, está Danso: um senhor muito bem vestido avizinhando os sessenta anos. Está em contramão a maioria das centenas de pessoas apressadas para não perderem seus trens. - É a costumeira hora do rush. Danso espera, pacientemente, o quase total esvaziamento do ônibus, para entrar, e assim, continuar seu percurso rotineiro do retorno ao lar.

"Moien!" - cumprimentou o chofer do transporte público.

Como de praxe, o bus, este que rumará ao clube de patinação em Kockelscheuer, dispõe de tantos acentos aos minguados passageiros que tomam este destino a cada fim de tarde.

Danso formou um leve e amigável sorriso ao ouvir três adolescentes sentados ao fundo; os mesmos que não deixam o silêncio se fazer presente: falam em tom alteado em expressivas gargalhadas quase que histéricas. - Ouvem, pelo telefone, algum rapper a rimar em francês.

Acomodou-se na poltrona oposta a de um solitário adolescente, rente a divisória para segundo vagão.
Concentrado no jornal em suas mãos, o tal jovem não percebeu sua presença. Reparou, por uns pouco instantes, através da janela, o formigueiro de pessoas, todos apressados num congestionamento humano. Sentiu-se aliviado em tomar outro rumo.

O semblante de paz estampado na face de Danso foi fatalmente interrompido quando ele leu o enunciado no jornal deixado por outro passageiro: "Policial que matou o negro, George Floyd, em 2020 nos Estados Unidos, pede recurso contra decisão condenatória da corte estadunidense.".

Decidiu adentrar na reportagem.

A apelação racista, camuflada nas entrelinhas da matéria, o incomodou fortemente, porém, continuou a ler o artigo até que...
Sua concentração está sendo vencida pelas inúmeras gargalhadas lançadas pelo trio, "inimigos do silêncio".

Danso analisou seu entorno e, contando com o motorista e uma senhora sentada na primeira poltrona, eles estão em sete naquele articulado de dois vagões.
Preferiu não ser o antiquado a acabar com o entusiasmo da juventude.

Voltou à reportagem.

Instantes se passaram quando um dos ruidosos ao fundo lançou:

- Olhem... - garganteou em luxemburguês, referindo-se ao solitário rapaz próximo a Danso. - O macaquinho acha que sabe patinar no gelo!

Os outros dois levaram sua atenção ao alvo referido e se riram corroborando com a infeliz piada lançada ao tom de pele do rapaz.

Num rápido golpe de pescoço, o jovem levou seu olhar aos três patetas, encarando-os por alguns segundos. Apesar do olhar firme e direto, não há demonstração de ódio na mirada, nada mais que o repúdio ao dito.

- Tá olhando o quê? - perguntou o autor da frase pejorativa.

- Deve estar com fome. Não tenho uma banana para te dar! - Gargalhou o outro fomentando ainda mais a ultrajante cena.

Antes de voltar sua atenção ao jornal, o jovem agredido esbarrou seu olhar em Danso, este que manteve suas vistas no jornal em suas mãos; porém, sentiu a presença do olhar de seu vizinho e virou-se a ele.

A mirada do jovem negro reflete um calvário de sentimentos de angústia explícitos após a maldita frase lançada a si.

Num surpreendente flash de memória, a cena fez o senhor lembrar-se de um caso que passara em sua infância com o pai, quando, certa vez, ao chegar da escola, o ainda jovem Danso apresentava um semblante choroso. Após o pai descobrir que o drama fora consequente dos ditos de alguns de seus colegas na escola, em tê-lo chamado de preto; Danso levara uma bronca a lhe ensinar que quando alguém o chamasse de preto, significa que aquela pessoa não seria daltônica. Se um negro levar o dito como um desaforo e sentir raiva, quem está cometendo o ato de racismo é o próprio preto.

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