Rover começou a descer o morro em meio a escorregões. Seu fôlego falhou quando se desequilibrou e caiu rolando de forma desenfreada até a planície. Seu cabelo úmido se enroscou na grama da terra, em segundos estava tonta, desorientada e imunda. O peso de papel de mármore que estava em seu bolso a machucou e a adaga fez um corte superficial em sua coxa.
Não deixando se abater, levantou-se e acelerou subindo outro morro.
Em sua corrida pela vida, mal conseguiu olhar para trás, apenas se deu conta que alguém estava a perseguindo quando puxaram seu ombro tentando a fazer parar.
- Senhorita Rover, poderia parar de correr.
Rover quase pensou ser Velkan, mas descartou quando percebeu que a voz apesar de ofegante era autoritária e cuidadosa. Era Reece, mesmo assim, se livrou de suas mãos em um balançar de ombros e apertou o passo. Apenas para descobrir que era inútil, ele estava a alcançando com facilidade o que dificultava sua fuga.
Pensando rápido, Rover tirou a pedra que fazia peso contrário em seu bolso, girou seu corpo, trombou em Reece e o acertou na cabeça com o máximo de força que conseguiu.
Reece surpreso pelo ataque puxou Rover pelo braço fazendo os dois caírem.
- Não irão me capturar novamente. - Gritou Rover chutando Reece no estômago.
Ela viu o sangue dele escorrer pela testa com violência onde havia o acertado. Enquanto ele se contorcia no meio da vegetação com sua visão turva, ela se levantou e o deixou em sua dor.
Continuando sua corria, Rover desviou sua rota quando percebeu a clareira se fechar em uma vegetação densa com árvores e pinheiros, sabendo que não seria sábio se arriscar em caminhos desconhecidos, porém era muito fácil Velkan a achar e pousar a casa em sua cabeça em um lugar aberto como aquele.
Não tendo escolha ela se embrenhou na vegetação que a escondeu. Mesmo com mãos trêmulas, pés vacilantes e encharcada de suor, ainda mantinha o ritmo rápido e frenético de sua corrida, evitando ter pensamentos de animais perigosos vivendo naquelas proximidades.
Quando tudo que Rover podia ouvir era o som de seus passos e dos pássaros fazendo algazarra nos galhos acima de sua cabeça ela parou. Sua garganta ardia exigindo água, seu corpo inteiro doía pela madrugada infernal que foi atacada. Suas pernas enfraqueceram, provavelmente pela perda de sangue recente, falta de alimentação e corrida exaustiva.
Sendo obrigada a se sentar em um galho e descansar limpando o suor de sua testa em sua camiseta. Mas se mantendo atenta a qualquer barulho que poderia indicar um animal selvagem ou um humano se aproximando.
Sua respiração aos poucos foi voltando ao normal, a adrenalina foi se esvaindo de seu corpo, e seus pensamentos ficaram em ordem, percebeu que estava mais ferrada que se tivesse deixado um Andante fazê-la de almoço.
Não tinha nenhum conhecimento em sobrevivência, estava perdida e duvidava que estivesse em Londres. O tempo mesmo nublando escondendo o sol ainda a queimava como fogo, o leve vento lhe causava calafrios em seus membros desnudos, o ar era puro e limpo coisa que Londres nunca lhe proporcionou. A canção dos pássaros parecia totalmente nova.
- Estou ferrada. - Disse ela quando um mosquito pousou em seu braço e a garota o esmagou com um tapa.
...
Velkan caminhou até o limite da varanda quando sentiu sua alma chamando o corpo que habitava, ele encarou Reece, suas roupas formais estavam todas desalinhadas, possuía grama em seu cabelo e uma mancha de sangue saia do ferimento em sua testa.
- Além de deixar a garota fugir também a deixou acertar. - Disse Velkan e seu cabelo brilhou na tonalidade violeta enquanto um sorriso nada satisfeito cruzou seus lábios.
- O que queria que fizesse? A sequestrasse? - Protestou Reece passando por Velkan, parando na batente da porta - Está em choque, sozinha e confusa, sei muito bem o que é está na pele dela. Deixe o protetor a acalmar e depois vamos a procurar.
Velkan balançou a cabeça.
- Não. Vamos embora, já interferimos mais que deveríamos.
Reece parou e endireitou sua postura.
- Se Katherine sabe de um jeito de me livrar de você, não deixarei essa oportunidade passar. - Disse ele pausadamente.
Reece observou Velkan enrijecer a mandíbula e contrair os dedos das mãos.
- Provavelmente dirá a única alternativa que conhecemos. - Respondeu Velkan entediado.
Reece balançou a cabeça em negativa.
- Ela conhece a história, não seria tola em propor algo sem ter um coringa nas mãos.
- Esse é o problema Reece. Ela não tem um coringa, apenas uma boca grande e sede de vingança.
- O que vamos perder protegendo a garota? - Perguntou Reece, caminhando novamente para a varanda fazendo o assoalho ranger.
- Eu não gosto dela.
- Ou você teme a mudança? Teme que Katherine tenha a solução para nos separar e você fique sozinho como sempre esteve?
Velkan passou por Reece dando-lhe as costas.
- Sempre trabalhou bem para ser odiado. - Disse Reece para Velkan - E conseguiu, saiba que cada dia passo sendo isso, vejo que não é uma má ideia te deixar me consumir, assim ao menos posso me livrar de você. - Reece viu Velkan se distanciar e a cada passo que ele dava aumentava a voz para que pudesse ouvir bem suas palavras - Você é apenas um tolo imortal, egoísta e pessimista, tem mais sangue nas mãos por não interferir do que o Rei Murak esfaqueado uma nação.
A última frase chamou a atenção de Velkan, Reece sentiu Nayhallow tremer como um terremoto, viu o cabelo mudar de violeta para a mesma cor da imensidão do céu a noite sem estrelas.
- Faça o que quiser, estou indo embora. - Disse Velkan em um sibilo e Nayhallow começou a flutuar.
- O grande problema entre nós é que nunca chegamos a um consenso. - Disse Reece enquanto observava as costas rijas de Velkan - Não irei embora sem a garota e você não pode ir sem mim, então, ou luta, ou me observe nos levar para a morte. - Ele caminhou até o final da varanda e pulou, despencando alguns metros até aterrissar no chão ileso.
Velkan ainda paralisado se virou e viu Reece correr até a floresta onde Rover havia desaparecido. E com seu humor nada agradável foi obrigado a seguir Reece.
...
Rover se considerou uma pessoa morta, não havia água ou comida, ela não ia nem tentar perder seu tempo tentando achar algo para comer, porque tinha plena convicção de que não ia conseguir subir uma árvore ou caçar um animal com suas próprias mãos.
Um arrependimento bateu instantaneamente, mas se considerou com sorte, não estava vendo bizarrices em cima de bizarrices, e não estava presa como um pássaro na gaiola. Era melhor estar perdida no meio do nada sem perspectiva de vida do que em um lugar que te usariam para machucar quem se ama.
Quando concluiu seu pensamento, ela viu uma sombra bloquear o sol, olhou para cima e percebeu a casa sobrevoando sua cabeça o que a fez se abaixar nas samambaias que estavam próximas a ela, não se importando se havia cobras ou outros animais que a pudesse a matar se escondendo entre eles.
Estando ali parada percebeu uma coisa na casa; parecia ser tão pequena quanto o quarto que acordou hoje de manhã. Parecia ter apenas cômodos pequenos do lado de dentro. Não longos corredores cheios de bifurcações se assemelhando a labirintos complexos como percebeu antes de fugir, o que a fez questionar o tamanho real da casa, e o porque parecia ser maior do que realmente é.
Quando a casa passou, Rover se obrigou a seguir em frente, fez questão de caminhar na outra direção que a casa e evitando a todo custo lugares que não tinha a proteção das copas das árvores. Ela não tinha um plano, mas tentava aguçar seus ouvidos buscando som de água batendo nas pedras, afinal, os animais ali se refrescavam em algum lugar, e se queria viver até o pôr do sol teria que encontrar.
Por meia hora Rover perambulou pela floresta, se encontrando apenas com insetos de aparência estranha e pássaros com penugens elegantes. Agradeceu silenciosamente por não dar de cara com animais carnívoros ou peçonhentos em seu caminho.
Ela percebeu que um pequeno feixe de luz saia de seu colar, exatamente como fez quando o Andante a atacou. Primeiro ela pensou que era apenas a luz do sol refletindo no colar, mas depois Arvid se materializou como um fantasma para ela.
- Já é a terceira vez que passa por aqui, estava me divertindo vendo você perdida, mas dessa forma vai acabar nos matando. - Disse Arvid em tom de brincadeira.
- Mas como? Você... Estava lá e agora aqui? - Disse Rover apontando para trás.
- O colar está aqui e não lá. - Respondeu ele dando de ombros como se não fosse nada extraordinário.
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Véu do Anoitecer - Povo Além da Floresta
FantasiRover, uma garota de 19 anos que trabalha como garçonete em Londres. Vive a sua vida consideravelmente entediante num dormitório perto de uma renomada universidade. A sua melhor amiga, Katherine, instigou uma guerra entre sobrenaturais e fugiu, deix...