A primeira noite

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Havíamos chegado na fazenda de Simone há poucas horas, ela estava trancada no quarto em uma ligação com Eduardo. Eu não sabia do que se tratava mas pude ouvir ela alterar a voz algumas vezes, acho até que ouvi um soluço. Queria ir até lá bater na porta e garantir que estava tudo bem com ela, mas julguei que seria muito invasivo da minha parte. Fiquei no quarto de hóspedes, tomei um banho e coloquei roupas confortáveis, lavei os cabelos e sequei, depois me sentei em uma cadeira de palha na varanda do quarto. A vista era realmente linda e aquela fazenda de Simone parecia não ter fim; não dava para saber onde começava e onde terminavam suas terras.

Eu havia levado um livro então me deixei absorver na leitura diante daquela paisagem maravilhosa, não vi as horas passarem e quase não percebi que já era mais de 1h da manhã; só me atentei ao tempo passado quando senti minha barriga dar sinal de fome.
Saí do quarto e passei em frente ao de Simone, mas a porta continuava trancada. Encostei a cabeça levemente para ver se ouvia algo, mas a única coisa que pude ouvir foi um completo silêncio. Imaginei que ela tivesse acabado pegando no sono, então desci para fazer um chá e ver se encontrava algo para comer.

Mexi um pouco nos armários e não demorei a encontrar uns cinco tipos diferentes de chá, afinal, Simone adorava. Coloquei a água para ferver e escolhi o de camomila, talvez ela quisesse um pouco e isso iria acalmá-la se fosse preciso. Decidi que levaria para ela. Antes de subir acabei comendo algumas torradas com queijo branco, que eu tenho certeza que era produzido ali mesmo na fazenda, coisa de qualidade. Coloquei uma boa quantidade de chá em uma xícara para ela e também peguei algumas torradas com queijo, ela deveria estar com fome, já que não saiu daquele quarto desde a ligação.

Cheguei à porta do quarto e quase fiz um malabarismo para conseguir bater. Ela não respondeu, ok... eu vou entrar. Vai que ela passou mal... Meu Deus.
Abri a porta do quarto e chamei por ela, notei sua silhueta na varanda observando a noite, parecia completamente perdida em pensamentos e acho que por isso não me ouviu em momento algum.

- Simone...? - chamei suavemente para não assustá-la e só então ela se virou.

- Oi, Soraya... - respondeu em um suspiro. Pude notar pela meia luz que havia chorado, e muito. Seus olhos estavam inchados e ela não havia sequer tirado os sapatos e trocado de roupas. Tinha um semblante tão cansado e triste que eu só queria abraçá-la. Mas não o fiz.

- Eu fiz um pouco de chá de camomila e trouxe algumas torradas com queijo para você.

- Obrigada, querida. Eu não estou com fome. - ela voltou a encarar a escuridão da noite.

- Simone, está frio. É melhor se agasalhar, pode acabar pegando um resfriado. Vem, toma pelo menos o chá e podemos conversar se você quiser.

Ela acabou cedendo. Pegou a xicara de chá e deu alguns goles antes de se sentar na beira da cama e dar um suspiro profundo que já dizia muita coisa. Estava cansada. E não era só um cansaço físico, eu conhecia bem aquele sentimento, passei pela mesma coisa nos últimos meses com Carlos César.

- Você pode conversar comigo, Simone. O que aconteceu? - parece que minha pergunta foi o suficiente para desencadear nela o choro novamente.

- Ah, Soraya... eu estou tão cansada. Essas discussões parecem não ter fim. E me sinto refém de Eduardo, da minha família, do Mato Grosso do Sul e do Brasil. Eu não aguento mais ter que ser Simone Tebet, eu só... eu só queria ser a Simone. Pelo menos por um tempo. - ela deu um soluço que me partiu o coração. Eu não conhecia aquela Simone... frágil, machucada e completamente vulnerável. Pra ser sincera eu nem sabia que ela poderia ser assim. Sempre se mostrou tão forte e valente, mas acho que assim como eu ela também construiu suas prórpias cascas.

- Você não tem que ser forte o tempo todo, Simone. Pelo menos não aqui. Não comigo... - ela me olhou com aqueles olhinhos brilhantes de lágrimas e deu um pequeno sorriso.

Todos Os Dias Depois De VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora