Todos Os Dias Depois De Você

Edelweiss, tulipas e peônias

"Pouco a pouco as dores viram água, viram memória. As memórias vão com o tempo, se desfazem, mas algumas não encontram consolo, só algum alivio nas pequenas brechas da poesia. Você… é a minha memória inconsolável, feita de pedra e de sombra. E é dela que tudo nasce e dança."

- Elena, de Petra Costa.

Há um ano não vejo Soraya. Há um ano não ouço sua voz pessoalmente, não sinto seu perfume, não toco suas mãos, não vejo seus olhos. Há um ano não nos falamos, não trocamos confidências e nem canetas coloridas. Há um ano eu desisti da única mulher que um dia eu soube que amava e que também me amou.

Eu achei que estava fazendo a coisa certa, achei que havia tomado a melhor decisão para nós duas, mas hoje eu sinto um vazio que já é mais eu do que eu mesma. Eu sabia que doeria partir e desistir de Soraya, mas não imaginei que ela se alojaria em minha mente, em minhas memórias, em meus sentidos, em minha alma... Eu jamais imaginaria que viver sem ela seria como deixar na estrada da vida uma parte de mim. Há um ano sigo com o coração funcionando impreciso pela parte que lhe falta, a parte que Soraya tomou para si e que eternamente seria dela. Soraya é a memória mais pungente que vive em mim, minha recordação inconsolável, e é dela que nasço e morro todos os dias, há um ano.

Hoje faço 53 anos. Aniversários sempre foram um momento oportuno para estar com a família, mas esse ano seria diferente, tudo mudou. Eu e Eduardo nos separamos, ele aceitou o divórcio com ressalvas, mas acabou percebendo que já não fazíamos mais sentido algum, principalmente após a última briga que tivemos. Ainda nos falamos ocasionalmente, apenas por conta de nossas Marias. Eduarda estava fora do Brasil e não voltaria pelos próximos três meses. Fernanda estava em São Paulo e não conseguiria chegar a tempo para uma singela comemoração comigo, então... sou eu, meu gabinete, assessores e o Ministério do Planejamento e Orçamento.

Ao longo do dia recebi muito carinho e mensagens lindas. Até mais do que eu já estava acostumada a receber. Ganhei uma quantidade exagerada de presentes e aquilo me deixou sem reação, não esperava sair das eleições tendo tantas admiradoras. Cecília, minha assessora, tirou fotos minhas com todo aquele amontoado de afeto em forma de mimos para postar nas redes e eu aproveitei para gravar um vídeo agradecendo todas aquelas delicadezas e enfatizar que apesar de grata eu não precisava de tudo aquilo, a atenção de cada um, bem como a luta para que tivessem dias mais felizes em nosso país me era suficiente.

Cecília saiu de minha sala levando alguns dos doces que eu acabei pedindo para que ela levasse para casa, pois havia muita coisa ali. Li umas duas ou três cartinhas enquanto comia um bombom ou outro que pegava aleatoriamente, depois me dispersei em meio ao trabalho e reuniões que aconteceram ao longo do dia. Cecília me mostrou muitas das mensagens que me enviaram através do Instagram, vídeos lindos que faziam uma retrospectiva de minha vida, poesias, músicas, coisas feitas com muito cuidado; até mesmo Eduardo havia feito uma postagem. Eu estava feliz. Eu realmente estava feliz. Mas sentia que faltava algo, uma coisa que eu queria muito, mas que sabia que não viria. Ela faltava. Sua mensagem. Seu carinho. Seu amor.

Às nove horas da noite eu cheguei em meu apartamento, acabei ficando mais tempo no gabinete pois alguns colegas me fizeram uma pequena surpresa. Ela não foi. Nem sequer sabia se ela esteve lá e muito menos se lembraria que hoje seria meu aniversário. Talvez ela só... tenha esquecido. Apagado da memória, de uma maneira que eu jamais conseguiria. Talvez ela tenha seguido em frente mesmo e eu estou aqui, ainda hoje, esperando um gesto mínimo que parta de Soraya, que me faça ter um vislumbre de que ela sente minha falta tanto quanto eu sinto a dela. Eu sei que a culpa é minha, mas não posso evitar que meu coração receba uma pontada cada vez que seu rosto é trazido à luz por meu inconsciente.

Tomei banho, coloquei uma roupa leve e me deitei sozinha naquela cama enorme, sumindo entre os lençóis brancos e os travesseiros macios que quase me abraçavam. Liguei a tv e coloquei um filme que Fernanda havia me indicado, Carol; me insistiu muito para que assistisse então aproveitei o momento para isso. Peguei o celular por alguns instantes e relutei em abrir o Instagram, não queria correr o risco de stalkear Soraya, mas foi exatamente o que acabei fazendo. Vi muitas fotos e vídeos dela, um sorriso imenso nos lábios, aquele mesmo sorriso lindo que sempre me cativou. Ela estava mais linda do que nunca, deslumbrante, dançando e conversando com as pessoas a sua volta. Ela amava o carnaval, disse-me que um dia gostaria de ir comigo. Nunca fomos. Mas ela estava feliz e isso me bastava, apesar do pequeno desânimo que me surgiu ao ver que César estava com ela. Será que eles voltaram? Fiquei me perguntando, mas me repreendi mentalmente. Continuei a assistir o filme.