- Vai pegar uma pneumonia se continuar ali.
Mulato retinto via a cena de dentro do Palácio do Paço. Gotas de chuva escorriam o vidro das janelas; escorriam também as lágrimas do velho patrão.
Oras! Qualquer homem de bom juízo se espantaria com aquilo; e de certo faria julgo do pobre desvairado.
Jovem pergunta:
- Vós não farás nada? Seu Algarve!
O criado sentado na poltrona de canto, continuava a bebericar de seu vinho, enquanto lia mais um trecho dos Lusíadas.
- Não. Vou deixa-lo chorar um fado.
Moço olhou de novo. Lá fora via, seu sempre casmurro patrão; a se arrastar. A rasgar o camisão. A se sujar com a terra preta.
Tudo para uma árvore.
- Ele está a se declarar para um ipê?
- Não, senhor Rio. Não para o ipê.
Mais um trovejo. Porto continuava a gritar lá fora.
O outro deixava o livro; parava ao seu lado na janela.
- Ele o sente perto. Sabe que está a ouvi-lo, a vê-lo... e a julgá-lo.
- Eu sou assim tão ruim?!!
Escutava -se o alucinado.
- Só estava a fazer o que era bom para mim! Não podes me julgar!
- Deus! A chuva fria o está fazendo delirar a febre!
- Antes fosse a chuva. Antes fosse a febre.
Algarvio suspirava, como quem sabe de cabeça uma história.
- Meu único pecado foi te amar!!
De braços abertos, caraíba se entregava a bela árvore.
- E-eu que sou? Que sou sem ti?!
Voz de luso cabisbaixava, vinha mais pranto.
- Sou um pedaço de orelha europeia! De minha grandeza hoje, só me resta o passado.
- O que passa ao patrão?
- Já vinha assim... piorou da cabeça com o terremoto. Mas, ah... senhor Rio! Eu bem que o avisei. Séculos lá atrás, no nascer da Colônia; que isto não viria a prestar. Mas, sabes como é este português... teimoso. E um louco quando apaixonado.
-À sério? O patrão está a sofrer da dor do amor?
- Sim. Mas não é vez primeira. Já amou e desamou muitos mundos. Na medida que se atirava ao mar.
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Os Perdões de Um Ipê
Ficción históricaUma história de amor conturbada. Um marinheiro desesperado, com seus dias de glória no passado; e uma árvore amarela cansada e sufocada; nunca entendida e nunca respeitada. O inicio do fim de uma longa relação de flores e espinhos.