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Quase três meses se passam no Mundo Acordado antes de Dream tomar coragem para encarar Hob novamente.
 Três meses de reclusão, em seus aposentos ou na praia ao lado de fora dos portões de seu reino, construindo novos sonhos e novos pesadelos.
 Três meses dele sendo miserável e se lamentando pelo seu reino. Que refletia seu humor com céus nublados e tempestades. Matthew tentou conversar com ele algumas vezes, como Mervyn também tentou, de seu próprio jeito, mas ele quase não conversava com ninguém, nem mesmo Lucienne, que somente lançava olhares sábios em sua direção toda vez que ele se arrastava até a Biblioteca em busca de novos livros para ler.

 Ele sentia culpa. Culpa pelo que ele havia feito, ou nesse caso não havia feito em relação da não-morte de seu filho. Culpa por como ele deixou Hob de novo, sem nenhuma explicação após passar o dia inteiro juntos. Ele encara a pelúcia que ele permitiu a Hob comprar naquele dia. O cachorro, que ele havia colocado sob uma poltrona luxuosa num dos cantos de seu quarto. Ele havia se divertido naquele dia. Fazia tempo que ele não se sentia assim, tão livre.

 Não ajudando seu dilema, nesses três meses ele foi invocado para o Mundo Acordado pela Calliope, sua ex-esposa e mãe de seu filho, o qual Dream era indiretamente culpado pela morte. Ela havia sido aprisionada por volta de 30 anos antes de surgir a oportunidade para pedir sua ajuda. E naquelas três décadas ela viveu horrores muito piores do que ele, haviam forçado ela a entregar seu dom. Algo que Roderick e Alex não fizeram durante o século dele, preso naquela esfera maldita. Ele sentiu ódio cego e fervente quando Calliope falou o que estava ocorrendo, ele queria esquartejar a alma de seu captor, pedaço por pedaço. E jogá -lo nos profundos mais obscuros do Reino de Lúcifer.
  Calliope não permitiu que ele fizesse isto. Então ele não fez. Ele deu ao homem, um fim pior do que ser enviado para o Inferno. Onde ter sua irmã mais velha pegá -lo em seus braços e levá -lo para as Terras Sem Sol seria um ato de piedade. Ele enviou aquele homem para o Reino de sua irmã caçula, ele o-enviou direto para as garras brincalhonas da própria Delírio.
  Dream se culpava pela morte do filho deles. Se ele ao menos tivesse parado Orfeu, ele poderia ter vivido mais, talvez ele ainda estaria vivo.
  Então ver Calliope novamente foi como esfregar sal nas feridas recentemente abertas de Dream. Especialmente quando ela pediu para vê-lo, para lamentar, apropriadamente. O pedido, que ele recusou. Ele não conseguiria a-encarar novamente, não assim, não depois de como andava se sentindo.
  Porque quando ele olhava para ela…
 Quando ele olhava para ela, Dream via ele. Ele possuía os olhos dela, ele sempre possuiria os olhos dela.

 Agora aqui ele estava, estabilizando sua forma no Mundo Acordado, dentro do apartamento do Hob, preparado para se explicar, a pedir desculpas. Ele estava pronto para enfrentar um Hob Gadling furioso, um que não iria querer ouvir desculpa alguma vinda dele.
   
 Dream se preparava para o pior. Porém–

 "Dream!" Uma voz alegre chama por trás, ele se virou lentamente, para ver o rosto sorridente de Hob se levantar do sofá e andar para onde ele se materializou. "Eu me perguntei sobre quando você voltaria."

 "Hob, eu-" Dream estava sem palavras. Ele não esperava uma recepção tão boa. Ele nem mesmo sabia como começar a se explicar.
 
 Tudo que Hob fez foi sorrir para ele, Dream não compreendia o porquê dele parecer tão entendedor, tão inclinado ao perdão que Dream não merecia. "Sente-se no sofá, vou fazer um chá para nós dois e daí podemos conversar, tá bom?" 
 
 Dream acena com a cabeça e vai até o sofá, não conseguindo encarar Hob nos olhos. Um tanto estupefato. Ele conseguia ver Hob na cozinha de onde ele estava, e desviava o olhar toda vez que Hob olhava por cima do ombro, em direção ao Dream.
 Alguns momentos depois, Hob volta e entrega uma caneca azul marinha para Dream, ele sentia o cheiro de camomila, e o toque minúsculo de mel. Ele toma um gole e encontra o líquido escaldante e doce entrando em contato com sua boca e garganta. Se ele fosse humano, iria doer, mas para os Perpétuos, e para quão nervoso ele estava naquele momento. A queima acalmava. Qualquer coisa que ele pudesse sentir que não era vidro frio e duro encostando em sua pele nua era calmante. Após todos aqueles anos, mesmo sendo opressor. Dream acolhia qualquer estímulo tátil, ele queria que coisas o-tocassem, ele queria tocar coisas.
 Ele queria que Hob o-tocasse. Ele queria tocar no Hob.

A Night at The Opera (Português)Onde histórias criam vida. Descubra agora