Prólogo: Eles te ouvem no escuro

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   Eles conseguiam sentir sua presença, e Bonnie Bennett conseguia senti-los também.

   Não saberia localizar-se dada as trevas que a envolviam, mas podia sentir a magia que projetara tal lugar formigando sob sua pele, quase a sufocando tamanha sua densidade. No entanto, não era o cenário hostil que a amedrontava, mas sim as criaturas que ali habitavam.

   Podia escutar o bater de suas asas, o rosnar que se projetava em suas gargantas, e acima de tudo o tilintar de suas garras se preparando para pegá-la. Mas era isto, não passavam de suposições que sua mente ia levantando a medida em que seus ouvidos iam captando tais sons. O mais engraçado nisso tudo era que, para alguém que já havia visto de tudo e um pouco no mundo sobrenatural, Bonnie não poderia se sentir mais apavorada quanto no momento.

   — I-incendia! — gaguejou, apesar da determinação em sua voz. Instantaneamente uma bola de fogo se projetou em suas palmas, permitindo-lhe enxergar pelo menos alguns centímetros ao seu redor.

   Insatisfeita, a bruxa procurou intensificar a magia, sentindo inesperadamente seu corpo se cansar com tais esforços. Seja lá qual magia profunda tivesse sido usada para criar aquele breu, certamente era forte o suficiente para sufocar qualquer tentativa de interferência.

   De qualquer forma, o fogo havia conseguido dobrar de tamanho, permitindo à Bennett que agora pudesse enxergar um pouco mais de um metro ao seu redor.

   “Cedo demais para contar vitória”, pensou consigo mesma, com o coração quase saindo pela boca quando finalmente pôde ver uma daquelas bestas dando um rasante em sua direção: a forma macilenta quase poderia lhe lembrar um morcego se não fossem pelas garras e dentes pontudos, num rosto e patas disformes.

   Seu primeiro instinto após o choque inicial foi se agachar prontamente, tendo tempo de apenas sentir a criatura sobrevoar a centímetros de sua espinha dorsal, ciente de que já deveria se preparar para uma segunda ou terceira tentativas. E assim o fez, desviando dos demais ataques o máximo que podia.

   Infelizmente, aos poucos o ar foi se tornando rarefeito, seus movimentos menos precisos, assim como passou a mal conseguir se aguentar sobre suas pernas. Se não pensasse num plano o quanto antes, a criatura a pegaria.

   Foi quando a viu descer em sua direção pelo que seria a centésima vez, e forçando o máximo de coragem em seu ser, Bonnie direcionou as palmas acesas em sentido à besta, ampliando as chamas na esperança de...

   Acabou acordando com o peito doendo, o corpo embebido em suor, e algumas lágrimas de praxe. Não se lembrava de ter tido pesadelos tão vívidos há um bom tempo, e ainda assim, ali estava ela se agarrando aos lençóis da cama como se fosse uma garotinha assustada. Fora necessário um bom banho de água fria para apaziguar parte de seus temores e mais alguns minutos encarando seu reflexo no espelho para ter certeza de que ainda estava ali em sua realidade medíocre em Mystic Falls, e não mais em...bom, seja lá onde fosse o lugar em seus pesadelos.

   Por mais que fosse uma bruxa, não podia se deixar levar tanto pelo lado sobrenatural da vida, ainda mais agora que a maioria de seus amigos haviam recuperado a humanidade há muito desejada. Verdade seja dita, rezava para o bem de todos que aquelas criaturas sanguinárias não passassem de alucinações de sua mente fantasiosa, caso o contrário...

   A campainha tocando cortou seu raciocínio, fazendo-a dar prioridade a qualquer que fosse o visitante que estivesse vindo vê-la em sua residência tão cedo pela manhã.

   — Bom dia, dorminhoca! — Elena Gilbert a saudou à porta, segurando uma cesta recheada de itens para café da manhã, e Bonnie teve no mínimo que simular um sorriso empolgado.

   Seu mau estar não era pela sua amiga, é claro. Amava-a tanto quanto Caroline, Damon, ou qualquer um do grupinho de sua juventude, no entanto após a Gilbert ter a incumbido como sua madrinha de casamento, a Bennett se sentira especialmente esgotada com a tarefa.

   Eram passeios para escolher os vestidos para lá; degustações em confeitarias para cá; e tudo isso tendo de esbanjar um sorriso que dificilmente  lhe vinha aos olhos, dado seu luto por Enzo. Lembrava-se de ainda ter sido mais solícita na vez de Caroline, ainda que o noivo em questão tivesse sido Stefan, mas ela realmente não esperava se sentir tão a margem das problemáticas de Mystic Falls quando o sobrenatural foi enfim expulso da cidade: sem mais lobisomens, vampiros, bruxas, sereias, duplicatas ou qualquer outro ser fantástico que já tivesse os perturbado.

   Ainda havia esse Instituto que Caroline e Alaric estavam planejando construir em nome das gêmeas deles, mas só pelo fato de ser na Mansão Salvatore — quase inteiramente fora das demarcações de Mystic Falls — a mensagem de que os de sua espécie não eram lá totalmente bem-vindos se fazia clara.

   — Bom dia, deusa majestosa. — Bonnie optou por usar o humor como evasiva. — Veio perturbar esta mortal com sua perfeição matinal?!

   — Se com “perturbar” você quis dizer “mimar”, então sim! — a Gilbert sorriu, estendendo a cesta com animosidade.

   — Uau, mas tem...bastante coisa aqui! — era para ter soado como um elogio, mas desta vez Bonnie pôde sentir seu mau humor escapar nas entrelinhas de sua fala, o que a fez instintivamente encarar Elena, na esperança de ter passado em branco pelo menos para ela.

   Infelizmente, o sorriso de sua amiga agora se encontrava entristecido, enquanto seus olhos analisavam a bruxa com um misto de pena e remorso.

   — Você pode entrar para comer parte dessa cesta comigo, se quiser. — Bonnie sugeriu, numa última tentativa de evasiva, mas não pareceu dar muito certo. — Ou se quiser, eu...?

   — Bonnie, eu agradeço o convite, mas a cesta é inteiramente sua. Para variar, Damon achou a ideia a princípio estúpida, mas contribuiu com algumas coisinhas aí dentro. — Elena insistiu, naquele seu tom teimoso de quem não receberia nada menos que um “obrigada” de Bonnie.

   Se era assim, então...

   — Obrigada. — a Bennett sorriu, ainda se esforçando para fingir que estava tudo bem em sua vida.

   Elena Gilbert ainda não pareceu muito satisfeita com essa postura, mas despedindo-se com um abraço e um pedido para que a amiga fosse procurá-la caso algo a incomodasse, ela preferiu partir, deixando Bonnie novamente a sós com as figuras de seus pesadelos.

   Não era a primeira vez que “sonhava” com aquele breu, tanto que na gaveta da cômoda próxima de sua cama havia uma série de rascunhos de suas tentativas de desenhar a besta que quase sempre a atacava. Não sabia se era a única de sua espécie, mas por experiência própria, a mulher bem sabia que era apenas deixar um monstro entrar para que uma proliferação de sua espécie venha destruir sua cidade.

   — Não pode ser real. É impossível. — teimou em permanecer em negação, enxugando o suor na testa enquanto depositava a cesta sobre a bancada de sua cozinha.

   Ansiava por um pingo de normalidade em sua vida. Se seus amigos haviam o conseguido, por que era tão difícil para si ter o mesmo?!

MerzostOnde histórias criam vida. Descubra agora