Se vendo obrigado a ter de lidar com uma leve queimadura, Damon Salvatore se amaldiçoava por suas últimas escolhas de vida.
Aparentemente, ter sido um humano há cento e cinquenta anos atrás não o fazia um grande experto quanto ao que era ser um mortal: ter suas necessidades amplificadas para muito além de uma mera sede por sangue o tornava um pouco irritadiço, mas não tanto quanto nestes pequenos momentos em que via sua vulnerabilidade sendo testada nos mais bobos aspectos.
Estava fritando panquecas, o tipo de atividade tosca com a qual já estava irritantemente familiarizado, e no entanto contara com uma variante, uma gotinha de óleo que espirrou em sua mão, lhe provocando um berro instantâneo.
— Porcaria de frigideira... — ainda resmungou, enquanto deixava a água corrente na bica amenizar um pouco do incômodo em sua pele.
— Cheguei! — conseguira ouvir a voz de Elena se anunciando no hall de entrada da casa que dividiam, e portanto procurou logo fingir o maior nível de normalidade dentro daquela cozinha.
Detestaria deixar que sua noiva sequer desconfiasse sobre seu recorrente descontentamento com suas limitações humanas, ainda mais agora que estavam há poucos dias de pisarem num altar.
— E chegou bem na hora do café! — ele retribuiu sua entrada animada exibindo a pilha de panquecas que iriam saborear durante a manhã.
— Ai, meu Deus, a sua mão! — infelizmente, a vermelhidão em sua pele não passara despercebida para a Gilbert, que correu para avaliar o ferimento. — Ainda dói muito?!
— Nada que um pouco de água na bica não tenha aliviado. — dera de ombros, se recusando a deixar uma gotinha de óleo fazê-lo de fracote.
— Fez bem! A maioria sai correndo para procurar por um gelo, sem saber que isso só agrava ainda mais a queimação. Água em temperatura ambiente faz milagres para queimaduras de cozinha! — Elena concordou, naquele seu tom clínico que vinha se tornando mais frequente desde que retornara para a faculdade de Medicina.
Mas a verdade era que, mesmo agarrando a mão de Damon com muito esmero e mesmo dando um diagnóstico plausível ao seu ferimento, havia algo nos olhos da mulher que deixavam claro o quanto não estava realmente bem.
— Pensei que apenas tivesse saído mais cedo para entregar a cesta para a BonBon. — ele inquiriu, obrigando-a a olhar para seus olhos ao erguer seu queixo.
— E eu fui. Só não acho que ela esteja num espírito tão bom. — Elena dera de ombros, sem saber muito bem o que dizer a mais.
Óbvio que não era do desejo de nenhum deles, mas era nítido o quanto vinham tendo dificuldades para conversar com a Bennett desde que o número de sobrenaturais no grupo fora reduzido apenas a ela e Caroline. O único porém que parecia complicar a situação era que, ao contrário da Forbes que permanecia irritantemente sociável, a bruxa parecia ter arranjado um meio de se fazer ainda mais reclusa do que de costume.
Como forma de ilustrar que sua noiva não deveria se culpar pelo espírito enclausurado de sua amiga, Damon pegou a lata de chantilly em cima da mesa, e espirrou um pouco em seu dedo, logo em seguida o usando para sujar a pontinha do nariz da noiva, que felizmente sorrira com sua breve palhaçada.
— Você mandou bem, soldada! Quem sabe se não mandarmos o pelotão todo de uma vez, a General Bennett não irá se sentir melhor? — sugeriu, lambendo o que sobrara em seu indicador, tentando tranquilizá-la. — Ainda temos um truque ou outro para levantar o humor dela, antes de começarmos a nos preocupar de verdade. Por exemplo, este rostinho é infalível! — apontara para si mesmo, muito convencido.
— Olha, eu até te daria o mérito, mas deixarei para quando nossa amiga conseguir dar um sorriso de verdade! Até lá...veremos. — a Gilbert concluiu, uma sobrancelha erguida num desafio que ela já sabia que ele havia aceitado para si, tanto que não demorou muitas horas até que ele estivesse a caminho da residência de Bonnie.
Localizada num chalé às margens de Mystic Falls, comprovava que a bruxa não só vinha se isolando emocionalmente, como geograficamente também. Bom, pelo menos nada que um carro e vinte minutos de estrada não resolvessem o problema. Agora restava mesmo era tentando pensar no que faria em relação a amiga: desdenharia de seus modos com piadas, gritaria com ela...? Definitivamente, um bom e velho sequestro não valeria de nada, nem mesmo se ainda contasse com o vigor de seu vampirismo.
— Ah, Bonnie Bennett, o que eu faço com você? — perguntou a si mesmo, estacionando na frente da singela residência, esperando alguns minutos para ver se seria recepcionado no lado de fora, ou se teria de ser ainda mais cara de pau e sair batendo à porta.
Cinco minutos contados no relógio, e nada da bruxinha por a cara para fora.
Não que ele esperasse por uma chuva de fogos quando ela reconhecesse o Corvette em frente ao chalé, mas até em situações mais corriqueiras, o usual seria que ela fosse verificar qualquer carro que estacionasse por ali.
E ainda assim, Bonnie Bennett seguia em silêncio.
Não querendo soar mais paranoico do que já estava se sentindo, Damon decidiu cruzar de uma vez por todas a pequena trilha até a varanda, batendo à porta sem se identificar, para no fim decidir dizer:
— BonBon?! Está tudo bem?! — sim, ele já perguntava pelo seu bem estar, pois já desconfiava que não fosse um simples gelo que estaria recebendo da amiga.
Para sua infelicidade, o silêncio permaneceu no interior da casa, sinalizando mais uma vez que algo de muito errado estava acontecendo ali.
Fazendo força com o ombro para arrombar a porta, Damon não parou de investir contra a porta até ouvir a tranca ceder, quase o fazendo cair sobre o carpete.
— Bonnie?! — exclamou, já muito preocupado para tentar se referir a ela pelo apelido que sempre usara com a amiga. Ainda sentiu suas pernas cambalearem enquanto corria debilmente até a cozinha, para então retornar às escadas e subir, isto sem encontrar uma única alma penada pelo caminho.
Foi quando finalmente chegou ao seu quarto, e tudo pareceu fazer sentido: próximo à cama, a gaveta da cômoda se encontrava revirada, com uma série de rascunhos tenebrosos espalhados pelo chão. Seja lá qual criatura fosse, Damon não precisava de muito para reconhecer que era perigoso.
— BONNIE?! — tentou a chamar uma última vez, mesmo que nesta altura já não tivesse esperanças de obter uma resposta.
Sua amiga havia sido sequestrada, e pelas poucas pistas disponíveis, ela estava tremendamente em apuros.
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Merzost
FantasyApós conseguirem derrotar o próprio Diabo, a crença geral entre os habitantes de Mystic Falls era de que os dias de sobrenatural haviam chegado ao fim. Contudo, após passar os últimos tempos sendo atormentada em seus pesadelos, Bonnie Bennett se...