11. A perspectiva do sentimento ruim (parte 2)

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Todo pensamento é imoral. Sua própria essência é a destruição. Se pensamos em alguma coisa, nós a matamos: nada sobrevive à reflexão
— Oscar Wilde


Na superfície dos pensamentos de Ellie, o sorriso ameno e carinhoso de Josephine tomavam conta. Ao fundo, quase que apagados, estavam os olhos castanhos de Aster Flores.

Josephine havia prometido coisas reais e duradouras com a garota asiática. Ela havia dito seus sentimentos, havia demonstrado cada um deles e fizeram com que Ellie Chu quisesse vivenciá-los a longo prazo.
Existiam tantas memórias delas juntas, andando por aí como um casal de verdade, onde se esconderem nunca havia sequer cogitado.

Não soube com exatidão quando essa bolha havia sido estourada, mas já havia se passado alguns dias desde a última troca de mensagens entre elas.

Por outro lado, existia sua primeira paixão real, que havia ficado longe por dois anos. Ellie achava que estava presa à promessa que tinha selado em seu último dia em Squahamish. Ela cumpria promessa, não é? Honrar sua palavras era importante, sua mãe tinha dito isso a ela inúmeras vezes antes de morrer e ela acataria seus últimos ensinamentos em vida, nem que essa fosse a última coisa que fizesse.

— E então, vai tentar ligar para a Aster?

Paul esteve enfiado na casa de seu pai pelos últimos dois dias desde que chegara à cidade. A falta de espaço e questionamentos constantes dele a estavam sufocando.

Do outro lado da sala, viu seu pai olhar para além da janela e mencionar brevemente que iria atender alguém na rua.

Paul se ajeitou no sofá, ainda a encarando profundamente.

— Ela deve estar esperando a ligação, sabe? O que se ouve por aí, é que a discussão foi horrível. Ela saiu de casa com as roupas do corpo e não voltou até agora. Você realmente tem que fazer algo...

— E por que VOCÊ liga e para de me encher com isso?

De repente a raiva a consumiu e ela não quis respirar fundo para mandá-la para longe, como vinha fazendo nas últimas 48 horas.

— Não é problema meu, quando você vai entender que eu não tenho NADA a ver com Aster Flores e parar com essa merda?

Paul estava com um olhar mais do que surpreso em seu rosto, mas não para Ellie, para algo além dela. Virando-se rapidamente, ela se engoliu em seco.

— Saia, você não pode entrar!

Seu pai tentava impedir que um homem corpulento passasse pela porta, mas com um empurrão bruto, ele foi jogado para fora do caminho, caindo no chão.

— Onde está a aberração?

Por um segundo, quando Ellie reagiu e tentou ir até seu pai, um par de mãos forte a pegou pelos braços, a machucando.

— Finalmente te peguei, sua pecadora maldita! Você vai pagar pelo o que fez com a minha filha, está ouvindo?

Ainda sem reação e com os olhos arregalados, a garota viu o pai de Aster, o Reverendo Flores a poucos centímetros de seu rosto, esbravejando obscenidades a seu respeito e ainda a apertando fortemente, até que Paul surgiu ao seu lado e empurrou o homem para longe.

— VOCÊ DESTRUIU A MINHA FAMÍLIA!

Novamente o homem tentou agarrá-la pelos braços, cuspindo em seu rosto enquanto gritava. Ellie não estava reagindo, sequer entendendo o que estava acontecendo.

— VOCÊ ENTROU NA CASA DE DEUS, DEUS TE RECEBEU DE BRAÇOS ABERTOS E VOCÊ O TRAIU!

Retomando o controle de seus pensamentos, ela deu um passo para trás, para longe do Reverendo Flores, que tentava avançar para ela, mesmo com Paul o impedimento.

— Eu sequer acredito nessa baboseira se Deus, como isso seria possível?

Ela se arrependeu imediatamente de suas palavras quando o rosto do homem tomou uma coloração assustadoramente vermelha e seus olhos enraivecidos a fuzilavam. Por precaução deu mais um passo para longe, vendo seu pai se levantar do chão e se apoiar na parede.

— BLASFÊMIA! VOCÊ QUEIMARÁ NO FOGO ARDENTE DO INFERNO, SUA ABERRAÇÃO MALDITA!

De repente as palavras dele a atingiram em cheio. Ela sabia do que se tratava, já havia presenciado algo do gênero fora da faculdade meses atrás, quando ela e Jo saíram para jantar e uma mulher as agrediu verbalmente por serem duas mulheres de mãos dadas.

— Eu vou ligar para a polícia caso o senhor não se retire daqui agora, entendeu?

— A justiça divina será feita e é nela que eu creio. Você vai contra a natureza humana e a favor da correnteza pecaminosa. Mas eu não irei permitir que você afogue minha filha. Não vou.

Diminuindo o tom de voz, Ellie finalmente se sentiu ameaçada por ele. Nunca antes havia visto ou imaginado que o Reverendo Flores pudesse agir de tal forma. Por todos os anos em que tocou piano durante as missas, ela só enxergou um homem religioso que pregava o amor, o engano possuía sabor metálico, gosto de sangue.

— Eu não sei do que você está falando. Eu não vejo Aster há dois anos!

Coçando a cabeça de forma nervosa, a garota fez um contato visual  profundo com seu amigo, que ainda formava uma muralha entre ela e o homem.

— Você mexeu com a cabeça de Aster. Destroçou o caráter dela. A fez questionar seu pai, desobedecê-lo diante da palavra de Deus e agora a covardia toma conta de seus olhos.

Não havia mais para onde correr. A casa era pequena e logo suas costas bateram na parede. Seus olhos lutavam para que não se enchessem de lágrimas. Todas as suas dúvidas pareciam a cercar, exigindo que ela tomasse uma decisão.

— Você não tem o direito de vir aqui...

O Sr. Chu tentou defender a filha, mas a ira que tomava o outro homem parecia fazer com que todo o recente vocabulário aprendido, se esvaísse de sua memória.

— Você é outra vergonha! Você criou essa aberração e agora paga por esse pecado. Você deveria fazer um favor a está cidade e voltar para o buraco de onde saiu. Deve ser difícil viver em um país civilizado onde comer o próprio cachorro é crime...

Antes que Ellie pudesse se aproximar para fazê-lo calar a boca e engolir aquela xenofobia, Paul acertou um soco no queixo do homem, o derrubando no chão, inconsciente.

De boca aberta, os três ficaram em silêncio. Apenas alterando o olhar de Paul, que segurava a mão direita em punho, para o homem caído no chão.

— Paul...

O pai de Ellie estava visivelmente surpreso, sem saber o que fazer.

— Eu dei um soco num reverendo de merda e me sinto ótimo. Como vocês estão?

Numa explosão de emoções, Ellie começou a rir, fazendo com que seu pai a acompanhasse, seguido de Paul.

Se aproximando da cozinha, viu seu celular vibrar. Na tela uma ligação de Josephine piscava, esperando ser atendida. Sem hesitar, ela atendeu, ainda rindo. Jo c certeza riria também quando ela contasse.

— Jo, você não vai acreditar no que acabou de acontecer...

— Achei que você deveria saber que uma tal de Aster Flores está aqui no alojamento, sentada na sua cama, especificamente. Está procurando por você.






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⏰ Última atualização: Feb 26, 2023 ⏰

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The Another Half - The Half of it (Você Nem Imagina)Onde histórias criam vida. Descubra agora