Festa Estranha com Gente Esquisita

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Morar na praia sempre é um desafio. As pessoas costumam confundir nossa humilde residência com resort cinco estrelas gratuito, e não raro abusam da nossa boa vontade e dos nossos recursos, sem oferecer nada em troca. E quando o(s) dono(s) do imóvel em questão não sabe(m) dizer não, vixe... É certeza que você abre as porteiras do inferno e nunca mais na vida você consegue fechar na vida.

Eu cresci numa ilha, belíssima, a algumas horas da capital. E sempre existiam autoconvites de pessoas inconvenientes da família para usufruir da nossa casa. Meus pais são os felizes donos de casa que não sabem dizer não para as pessoas. Eu sempre fui a filha que batia o pé para não me fazerem dormir no sofá enquanto pessoas que eu vi duas vezes na vida dormiam no meu quarto (felizmente sempre fui bem sucedida neste quesito). E tanta gente circulando pela casa sempre rende causos que hoje a gente dá risada, mas na época o olhinho chega tremia.

A história de hoje envolve uma tia querida (irmã do meu pai) e muita gente esquisita dentro de casa.

Tudo começou em uma bela manhã de sol de quinta-feira. Esta tia, que vou dar o nome de Creusa, é um amor de pessoa, porém também tem o péssimo costume de não dizer não. Ela liga para minha mãe, e a conversa é mais ou menos essa

(Não exatamente com essas palavras, mas nesta mesma energia)

- Alô, Mãe?
- Quem é?
- Sou eu, Creusa!
- Oi Creusa, tudo bem?
- Tudo sim, Mãe. Deixa eu te perguntar uma coisa... Você vai estar em casa esse fim de semana, Mãe?
- (Desconfiada) Sim, estarei sim. Por que?
- Não, é que eu tô querendo ir praí com o marido e as meninas (minhas primas)...
- Podem vir, sem problema algum.

(Até então tia Creusa e minha mãe se davam muito bem, então realmente minha mãe não via problemas em recebê-la em casa)

- Mas tem uma coisa que eu ia te pedir, Mãe...
- Pode pedir. (Lá vem)
- É que tem duas amigas minhas, lá do trabalho, que também tão querendo ir praí pra ilha, são gente boa, de confiança, tem algum problema?

Olhando com a maturidade e a experiência de hoje, não precisa dizer que existia uma bandeira vermelha GIGANTE sendo esfregada na cara da minha mãe - afinal, o que pode dar certo quando você enfia pessoas que você não conhece na sua casa, com base apenas no "confia"? Sem contar que autoconvite já é ruim, mas autoconvidado que convida terceiros pra sua casa é um pouco demais, né?

Mas é aquilo que eu falei antes, minha mãe não sabe dizer não.

- Pode trazer, Creusa. A gente dá um jeito de todo mundo caber aqui.
- Ai Mãe, muito obrigada, mesmo! A gente chega aí amanhã, no finzinho da tarde.
- Tá bom, querida.
- Beijo.
- Outro, tchau.

E entre brigas sobre eu ceder meu quarto para pessoas estranhas (e eu vencer todas elas), chega o abençoado dia seguinte, com todos os nossos envolvidos.

Meus tios chegaram super de boa, como sempre, abraçando todo mundo, com uma mini feira para ajudar na despensa, eu e minhas primas fugindo dos adultos pra fofocar e por aí vai. Até às duas convidadas da minha tia abrirem a boca.

"Nossa, se eu soubesse que a casa era grande tinha me organizado pra trazer Fulana e Siclana"

"É ótimo ser perto da praia, passar o dia inteiro lá, que maravilha"

"Aqui tem movimento à noite? Tenho que sair pra mostrar meu bronzeado, senão não adiantou de nada"

A única reação possível foi a gente olhar para minha mãe, que olhou para tia Creusa, que olhou de volta com cara de "desculpa, elas são brincalhonas assim mesmo".

Comemos e fomos dormir porque né, não tinha mais nada para falar ou fazer depois dessa.

Sábado de sol aluguei um caminhão, pra chamar a galera... Não, pera!

Era só o sábado de sol mesmo, mas não deu tempo nem de chamar a galera. As princesas comeram metade da comida que era o café da manhã da casa inteira e fugiram para a praia, deixando o BO pra tia Creusa assumir sozinha (tadinha). E nem lavaram a louça que usaram, as folgadas!

Minha mãe não sabe dizer não, mas também não sabe esconder o descontentamento. Tia Creusa ficou amenizando a situação, foi no mercado comprar comida pra repor, e fingiu que nada aconteceu. Mainha não disse nada, mas né, o ranço já começou a se instalar.

Hora do almoço. As princesas apareceram. Não colaboraram com 1 real para a refeição. Comeram um prato de pedreiro cada uma (reclamando da comida "ruim" que minha mãe, que ralou na cozinha pra cozinhar para todos, preparou com amor e carinho), e voltaram para a praia sem lavar a louça (de novo).

Mainha já estava de cara feia. Tia Creusa correu pra lavar a louça, para evitar a discórdia. Eu assistia tudo esperando o caos acontecer - e ele aconteceria, como eu previa, mas não naquele momento.

Hora da janta.

As bonitas apareceram, e antes que pudessem sentar à mesa para jantar, tia Creusa chamou elas de canto. Provavelmente para dar um toque nas folgadas. Elas foram na padaria de cara feia, e voltaram com um saquinho com uns dez pães, jogando sobre a mesa como se fosse uma grande colaboração para a refeição de 9 pessoas (sendo 3 delas meninas pré adolescentes famintas). Eu senti o ódio no olhar da minha mãe, mas meu pai pegou na mãozinha dela e disse algo no ouvido do tipo "é só até amanhã, elas vão embora e não voltam nunca mais, releve por favor", e a póbi se acalmou.

Sopão de janta, todo mundo bateu seu prato, e todo mundo foi fazer a digestão no sofá, certo?

(*Gargalhei gostosamente com o Capeta enquanto escrevo este causo, porque se tivesse ficado tudo bem esta história nem existiria*)

Pois bem, tenho que inserir um contexto que é: neste fim de semana em específico tinha show de verão no centro da ilha. Nada muito especial, eram aquelas bandas pequenas da região, mas que davam uma animada nas nossas pobres vidas de ilhéus.

As princesas se vestiram e foram para o show (dessa vez lavaram a louça pelo menos). Sequer deram hora para voltar, como se minha mãe tivesse a obrigação de esperar elas voltarem na hora que bem entendessem para casa - afinal, que grossa a minha mãe que não deu uma cópia da chave de casa para duas mulheres estranhas entrarem e saírem na hora que quiserem, né?

(Sim gente, isso aconteceu)

A essa altura Mainha já estava cuspindo fogo, mas estava relevando a pedido do meu pai e por pena da minha tia. Mas eu já via o olhinho tremendo da coitada, eu podia jurar que ouvi de longe ela fazendo cosplay da Carminha gritando INFEEEEERNOOOOO (não a julgaria se fizesse).

Mas calma gente, piora!

As princesas estavam lá na praça, no raio do show.

As princesas encontraram um grupo de amigos.

As princesas ligaram para a minha tia falando que iam levar mais duas amigas para lá porque elas não tinham onde passar a noite (como se isso fosse problema nosso), e pediram para não comentar nada com a minha mãe, com medo de que ela (com toda a razão do mundo) negasse a entrada das Fulanas.

As princesas "esqueceram" de contar que tinha dois homens nesse rolo que iriam para lá, para uma casa com TRÊS MENINAS PRÉ ADOLESCENTES, e com várias mulheres. E que esses homens viraram "amigos de infância" desse grupo há menos de duas horas.

O plano delas teria dado certo se minha mãe não tivesse ido beber água no meio da madrugada e não tivesse visto tanta gente estranha e esquisita no terraço da casa dela DO NADA.

Esse dia foi louco, juro a vocês. Acho que só não virou caso de polícia porque a polícia não chegava lá onde a gente morava (difícil acesso para carro), mas olha... Foi Mainha acordando todo mundo no berro, foi expulsando gente no meio da noite a vassourada, foi gritando que a casa dela não era cabaré e outras coisas impublicáveis. Tia Creusa não sabia onde enfiar a cara, mas é aquela coisa né, se tivesse dito não para as princesas desde o começo, não teria passado por nada disso.

Aliás, nem titia escapou. De madrugada mesmo arrumou as bolsas, pegou meu tio e minhas primas, e voltaram para casa. Minha mãe e minha tia ficaram sem se falar por anos depois dessa.

E foi assim que, a partir deste dia, Mainha parou de receber pessoas em casa que se autoconvidam.

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