Crianças

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Crianças sempre são um capítulo à parte em todas as famílias. Primeiro, porque dificilmente uma família não tem uma. Segundo, porque estar com crianças em qualquer lugar é sempre um risco para a nossa dignidade, graças a falta de filtro social.

Sou mãe de uma pequena de 9 anos que já me fez dar altas cusparadas na testa, mas antes de trazê-la para este mundo, eu penei um bom tempo com meus sobrinhos e meus primos menores. A vantagem dessa época era que pelo menos os outros eu podia devolver para os pais e sair correndo, quando a criança é nossa infelizmente essa opção não existe.

Mas enfim, elas são muito espertas e a gente que lute e lide com isso.

Alguns mini (hoje já não tão mini) queridos já me colocaram em cada situação que o póbi do meu anjo da guarda deve ter pedido adicional de insalubridade cada vez que me via com eles.

Como quando levei uma priminha para a casa de uma senhora dirigente da igreja que eu frequentava, toda tranquilinha, e na hora de servir um bolo - que estava horroroso mesmo - a mini querida cospe fazendo escândalo gritando

- ECA, QUE BOLO RUIM, VOU COMER ISSO NÃO, TIA!

Eu rindo querendo morrer, a senhora (provavelmente já acostumada com o sincericídio de algumas crianças) gentilmente cobriu o bolo com leite condensado (que deu uma amenizada no gosto ruim), e a criaturinha determinada mesmo a me fazer passar vergonha.

- Muito ruim mesmo, isso aqui adiantou não, tia. Não vou comer, tá horrível.

Me restou o riso de "vergonha por fora, desespero por dentro" e a retirada da cena do crime, antes que a criança cometesse mais algum delito social.

Outra vez, eu estava com um dos meus sobrinhos no supermercado, e ele me vem com várias embalagens de camisinha, perguntando pelo corredor em voz alta (para garantir que todos se virassem e olhassem para mim) para que servia.

- Serve para Papai e Mamãe namorarem e não fazerem bebês - respondi, tentando bancar a didática compreensiva, mas querendo morrer por dentro

- Tia, eu tenho uma namorada na escola, e eu não quero ter filho com ela agora não tia, compra pra mim?

O que eu ia responder para essa criança de 6 anos?

- Não bebê, isso é para adulto que namora. Você é adulto?
- Não, tia.
- Então, não é pra você.

Silêncio.

Fomos para a fila do caixa.

Eu já estava destrancando o cERROR404, respirando aliviada, quando a criança olha pra mim e fala

- Tia, vou falar pro meu pai pra ele comprar camisinha, não quero um irmãozinho tia, não quero!

Morri, mas passo bem...

Em outra ocasião, levei outro sobrinho meu para passear. Sanduichão da Subway, coquinha gelada, aquele rolê feito especificamente para estragar a educação da criança, sabe?

Porém acho que errei na dose, porque a criança começa a falar bem alto

- Nossa tia, Pai (meu irmão) podia me trazer aqui mais vezes, né? Eu fico em casa morrendo de fome e ele não faz nada!

As pessoas em volta me olhando já mentalizando acionarem o Conselho Tutelar, e eu tentando amenizar "não querido, seu pai é um homem muito ocupado, isso aqui é só uma vez ou outra, não é pra comer todo dia não, etc"

- Não tia, o prato que Mãe (minha cunhada) faz lá em casa é pequeno, todo contado, eu fico com fome, tia!

Nunca saí tão rápido de uma lanchonete como nesse dia.

E não achem que minha filha tá isenta de me fazer passar vergonha porque é minha filha não, viu? Também já passei por poucas e boas, como no dia que ela viu um homem tentando bater boca comigo, e do alto dos seus 3 anos gritou CALA BOCA VIADO (quis morrer e nunca mais voltar nesse dia). Ou quando ela me vê com um corte de cabelo novo e sempre fala o quanto "tá feio" na frente de todo mundo. Ou quando ela tacou - e quebrou - uma cadeira nas costas do coleguinha de escola que fazia bullying com ela e a professora não fazia nada. Teria que abrir um capítulo à parte só para contar as presepadas dela.

"Ah Laís, e você?"

Bem, eu estaria mentindo se eu dissesse que era uma criança comportada. Eu estava mais para criança sonsa: ficava lá, quietinha no meu canto pegando confiança dos adultos, e quando paravam de olhar para mim, eu já estava fazendo alguma arte muito radical, para quando fosse pega no pulo, colocar a culpa em algo ou alguém.

De todos os causos que eu já ouvi sobre mim, o mais lendário foi do dia que eu desapareci no meio do mato com 3 anos de idade.

Estavam meus pais, fazendo uma big reforma em casa (sozinhos, porque né, DIY em casa sempre foi necessidade financeira muito antes de ser modinha), e ao mesmo tempo vigiando a minha pessoa que estava por perto. Só que passou 1, 2, 3 horas, eu continuava ali quietinha, meus pais passaram a se concentrar em suas atividades, e um ficou confiando que o outro estava de olho em mim.

Na verdade, ninguém estava.

E eu, criança sonsa e entediada, cansei de ficar ali sentadinha no chão empoeirado e decidi passear por aí. Esqueci de avisar que estava saindo? Esqueci, mas isso é só um detalhe.

Depois de alguns minutos de silêncio total, minha mãe, como qualquer mãe nesse planeta, estranhou e já foi desenhando o raciocínio "tem parada errada aí irmão, o morro tá muito tranquilo".

- Pai, Laís está com você?
- Não. Ela não tá com você não?
- Não.

Viraram a casa de cabeça para baixo e não me acharam. Me procuraram ao redor da casa, não me acharam. Perguntaram por mim na casa da vizinha da frente (eu vivia por lá), eu não estava lá.

Não preciso dizer que o desespero bateu forte, né? Afinal, ninguém nas redondezas tinha me visto, e não tinha nem sinal de para qual lado eu tinha ido.

Minha mãe chorava sem parar, meu pai já estava chamando a polícia, porque as horas se passavam e eu não aparecia. Até que uma vizinha, um ser de luz iluminado pelo meu anjo da guarda (este pobre animal em estado de sofrimento), falou:

- A gente ainda não foi no sítio de seu Fulano, é o último lugar que falta olhar. Se ela não passou pela cerca, ela deve tá lá.

Todo mundo correu para o tal sítio.

E não é que eu estava lá mesmo? Com as fraldas todas cheias de xixi, chorando assustada, a poucos centímetros da tal cerca - de arame farpado. Provavelmente eu tentei passar, me espetei na cerca e fiquei ali chorando.

Foi por causa desse dia que dos 3 aos 14 anos eu não saía de casa sozinha nem por decreto.

Mas não se preocupem, nesta casa amamos crianças.

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