O cavaleiro solitário descia pelas curvas traiçoeiras de pedra, espada em mãos, uma coroa de galhos emaranhados sobre o capacete, e a capa azul ao redor do pescoço. Um lembrete do último pedido do seu amigo. Mais do que nunca, ele estava determinado a salvar a todos, acabar de uma vez por todas com aquele monstro e vingar a morte da pessoa que ele mais amou. A dor e o ódio transbordavam de seus olhos marejados que simplesmente se recusavam a secar. O calor ficava mais intenso e havia uma luz no fim daquele túnel, uma luz avermelhada como a forja de seu pai. Tudo ali lembrava sua casa, e mesmo assim, ele estava tão longe de casa. Será que a criatura era um ferreiro? Como um ferreiro poderia destruir uma floresta inteira? Que tipo de arma faria isso? Ele seguia em direção à luz, sem se importar tanto com as respostas. O que quer que tenha causado aquilo, iria pagar com a vida, iria sofrer a pior punição possível.
A lâmina brilhava sob a luz fraca do ambiente, que a cada passo se tornava um pouco mais brilhante e mais quente. O suor se misturava com as lágrimas e queimava a ferida como brasa ardente. A armadura inteira estava cada vez mais quente e ele não sabia se aguentaria continuar com ela.
Depois de vários metros torturantes naquele buraco, ele finalmente chegou a uma curva de noventa graus, que dava em uma cavidade absolutamente colossal, seu corpo quase cozinhava dentro da armadura. Cercado por vários pilares de pedra que pareciam feitos a mão, uma pilha de ouro gigantesca repousava sobre um mar de cinzas e ossos. Havia também uma pequena coluna de fumaça subindo de algum canto atrás dela. Na mesma hora ele reconheceu a escuridão tangível. Aquela era a origem, o mal que ele iria arrancar pela raíz. Mas onde estava o monstro? Será que era ele a expelir aquela fumaça?
Seus olhos percorriam todo o lugar, seus passos cautelosos de aproximavam da escuridão, cada centímetro de sua pele ardia como chamas, mas seu coração estava fervendo ainda mais, em fúria. A espada brilhava intensamente, iluminando o lugar como o sol num eclipse, mas um descuido ecoou pelas paredes rochosas. Um osso quebrado em um passo em falso. Em um instante a pilha de tesouros começou a se mover. Ela se erguia até quase alcançar o teto. Um rugido ensurdecedor. Um calor ainda maior. Aquele ser dourado que se mesclava aos tesouros olhava para baixo, imponente, quase abalando a determinação assassina do jovem.
- Um dragão?
- Olha só, ele não é cego! - debochou, rosnando.
O dragão estava falando. Isso era extremamente perturbador para um garoto de uma vila afastada de tudo. Tudo que ele sabia sobre dragões eram histórias que corriam entre os mais velhos, principalmente a bruxa. Ele nunca imaginaria aquelas criaturas destrutivas e ferozes falando.
- Imagino que você esteja aqui pelo tesouro dos anões. - ele se virou, ignorando a espada erguida em sua direção - Volta pra casa, garoto. Você não vai levar nada. - ele voltou a se deitar - Mas antes, tire seus pertences e deixe naquele canto, antes que eu mude de ideia e acabe com tua raça.
- Eu não vim pelo tesouro, monstro. Eu vim pra acabar com você. - suas mãos apertaram ainda mais o punho da espada, as lembranças da infância e da espada de madeira se mesclavam ao presente, seus olhos estavam fixos na criatura, cheios de um ódio aterrador, a espada tremia, seu corpo inteiro tremia, cedendo à dor excruciante causada simplesmente por estar alí.
- Criatura burra e arrogante. Eu deveria matar todos que você ama por esse desrespeito. - ele agora se levantava com a mesma raiva do garoto nos olhos - Por que vocês cismam em me perturbar? Humanos deploráveis! Só morra de uma vez.
O dragão inalou o ar seco e seu peito dourado começou a brilhar. Ao abrir a boca, uma rajada de fogo brilhou do fundo de sua garganta até o fio da espada, sendo rasgada ao meio e avançando para os lados. A lâmina brilhou ainda mais e a capa foi jogada ao vento. O garoto realmente parecia os heróis das lendas, que enfrentavam monstros e demônios sem medo da morte. Um passo de cada vez, ele avançou contra o dragão, transpassando as chamas infernais e virando em direção à lateral de seu corpo, golpeando com a espada. A escama repeliu a espada, ricocheteando como se tivesse batido em uma parede de tijolos. A escuridão cintilava logo a frente.
- Por que você criou essa escuridão, monstro? - os golpes não paravam de tentar furar a pele do bicho.
- Eu não te devo explicações. - mais uma rajada de fogo. Dessa vez a capa azul sofreu o golpe, virando pó em poucos segundos.
- Essa merda tá matando meu povo - entre um golpe e outro, ele percebeu correntes em meio às relíquias, prendendo as patas do dragão no lugar - então acho que eu mereço isso antes de morrer.
- Criaturinha insolente. Você não é como os outros que eu devorei. Você não liga para os tesouros que tantos morreram para alcançar. - o fogo cessou, o brilho em seu peito sumiu, e ele se deitou sobre a pilha de corpos e metais. - Você realmente merece isso. Sua coragem te fez merecer isso. Você é o primeiro humano que tem meu respeito. Eu não te darei tantos detalhes, mas os anões tomaram algo de mim, algo importante, e me colocaram aqui. Isso que ameaça tuas terras, nada mais é do que a manifestação do vazio em minha alma. A estrela do abismo nasceu do meu sofrimento nesse lugar maldito. Se é isso o que buscas, apenas destrua-a e me deixe em paz.
.
.
.- E aí? O que o herói fez? Ele conseguiu quebrar a estrela? O que o dragão perdeu, afinal? E onde estão os anões que prenderam ele?
- E eu sei lá - o bardo virou a garrafa na boca novamente - eu só achei essa história num baú velho. Ela termina assim...
- E não tinha mais nada?
- Nadinha. E eu não vou inventar um final pra te satisfazer. Tudo que eu sei é que esse vilarejo realmente existiu, e ainda está em algum lugar dessa floresta.
O fogo continuou crepitando, e os amigos continuaram conversando sobre o tempo em que estiveram separados.
- Só mais uma coisa. Por que você colocou meu nome no ferreiro?
-Eu não coloquei seu nome nele. O nome dele era Helior, com H. Hahaha.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Aquele Que Habita no Abismo
FantasiObra inspirada na música do artista Kamaitachi, um grande cantador de histórias. Uma cidade no meio da floresta é assolada por uma seca terrível, e só um grande cavaleiro pode salvar seu povo da fome. Mas para isso ele precisará enfrentar a perversa...