Cautelas

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- Isso não está dando certo, John. - Lena entrou no escritório do chefe com uma expressão cansada. O homem negro, alto e bem mais velho a olhou analítico. - Você me colocou de babá do Danvers há semanas por suspeita de perigo e até agora nada. Quanto tempo vamos continuar com isso? - Fechou a porta atrás dela.

- O Danvers tá incomodando você? - Ele arqueou as sobrancelhas com seriedade. O governo poderia ser piedoso por bom comportamento, mas nada disso mudava para John o fato dele ser um assassino. O Capitão garantiria o sofrimento dele se soubesse que ele fez qualquer coisa com sua Detetive.

- Não. - Respondeu sem hesitar sentando-se a frente do seu chefe. - Para alguém que comprou uma arma e matou aqueles caras, ele é bastante inofensivo. - Observou revirando os olhos. Já tinha notado isso no loiro. Apesar do modo como ele decidiu vingar a morte do seus pais, o homem parecia tranquilo até demais. Ou talvez apenas não fosse de reclamar.

- Lena, eu sei que não está satisfeita com isso. - Pontuou suspirando. - Acredite, eu também não. Mas esse jornalista mexeu com gente grande. Gente que não pensou duas vezes antes de tirar a família dele, não podemos perder mais nada nesse caso. - John foi sincero. Ambos sabiam disso. Havia muito mais envolvido nessa história do que até mesmo o Prefeito queria admitir.

- Ainda não dedetizamos os ratos?! - A morena riu com escárnio. - E porque exatamente eu tenho que ficar presa com isso?!

- Está começando a me fazer pensar que Danvers não é tão inofensivo quanto diz. - Ele sorriu pra ela como se realmente brincasse sobre a ideia. - Ele confia em você.

- Por que ele confessou o crime pra mim?! - A morena riu desacreditada.

- Também. - Deu de ombros. - Mas ele só falou com você, lembra? - Sim, ela se lembrava do tempo absoluto de silêncio que ele fez esperando até que pudesse conversar com ela expressamente. - Então, só posso presumir que ele confie em você. Fique de olho nele. Só isso. - O mais velho disse como uma espécie de acordo. Embora ele soubesse que era o único ali a pedir uma barganha.

- Me garanta que vai resolver isso o quanto antes. - Ela devolveu incisiva. Olhos nos olhos. Exatamente como ele gostava e fazia. Era um dos motivos dos quais considerava a Luthor sua favorita. Não que pudesse dizer a alguém sobre isso.

- O mais rápido que puder.

(...)

- Pronto pra falar? - Kelly Olsen disse docemente ao loiro que estava sentada de pernas cruzadas e um dos braços apoiado no encosto no sofá espaçoso que dividiam. Uma posição relaxada e confortável.

- Tudo bem. - Respondeu pensativo.

- Como têm sido seus dias? - A médica começou devagar enquanto bebia o chá que ele tinha feito pra ela atenciosamente. Kurt não era adepto a chá, mas pediu alguns depois que descobriu que Kelly gostava. Uma maneira de agradar a única visita que ele recebia de fato.

- Entendiantes, pra ser sincero. - Ele sorriu de lado. "Eu leio, assisto televisão, navego na internet, arrumo a casa, escrevo uns textos e minha única companhia é Lena e vinho, às vezes. - Pontuou pausadamente enquanto a psicóloga assentiu.

- Há algo que você gostaria de fazer? Algo que você sente falta? - Se recostou no sofá confortavelmente. Havia algo de bom em trabalhar com Kurt duas vezes por semana. Eram apenas eles e não tinha tanta cobrança e nem a ideologia do divã que, normalmente, deixava as pessoas desconfortáveis. Eles realmente pareciam velhos amigos trocando ideia no sofá.

- De caminhar, às vezes. - Deu de ombros se lembrando. - Eu gostava de andar até uma lan house, uma cafeteria, uma livraria... Às vezes só caminhar. Entre as pessoas, sentir a cidade pulsando nas ruas... - Divagou alheio.

- Entendo. Eu tenho sempre uma rotina de caminhar de manhã cedo. Estou tão acostumada que acho que a mudança me faria sentir que não comecei meu dia. - Explicou calmamente. Isso era algo que eles concordaram em fazer, ela sempre falava algo sobre si mesma em uma troca de informações.

- É... - Ele pensou.

- E quanto aos seus pais? - Perguntou com cuidado. Kurt desviou os olhos e cercou o próprio corpo com os braços. Kelly sabia que aquele era o ponto de ruptura da conversa saudável. Ele sempre ficava recluso ao falar dos pais ou da irmã. A psicóloga estava trabalhando isso com cuidado há algumas semanas em torno dele.

- Sim. E? - Para afastar a ideia de desconforto, ele pegou a caneca de café que havia deixado na mesinha de centro.

- Você chegou a me contar que os visitava com frequência. Essas caminhadas incluíam isso? - A doutora pegou uma curva na conversa se certificando do tom leve e descontraído. Manter o tema sempre ajudava nisso.

- Sim, muitas vezes. Embora, eu não fosse à pé. Porque eles moram... Moravam do outro lado da cidade. - Aquela altura, ele não a encarava muito enquanto bebia o café franzindo o cenho por não estar mais tão quente quanto gostava.

- Isso é bom. - Ela sorriu reconfortante. - Do que mais sente falta além de caminhar?

- Trabalhar. - Respondeu de imediato. - Não só o trabalho em si. Mas de me levantar e ir trabalhar. Sem saber como seria o dia e o que vinha pela frente, entende? - A moça concordou mantendo o sorriso. Ela entendia isso, às vezes ir trabalhar era simplesmente terapêutico. - Acho que sinto falta até das loucuras da minha chefe! - Ele riu com graça se lembrando da CEO que o levou ao jornalismo sério. Ela era sempre rígida, mas nunca deixava de querer tirar o melhor de cada funcionário.

- Cat Grant, acertei?! - Semicerrou os olhos e o loiro concordou com um sorriso.

- A Imperatriz da mídia. Sim. - Ele sorriu saudoso. - Não a vejo há anos. Não posso culpá-la. - A expressão no rosto dele mesclou entre saudade e tristeza. Cat sempre foi alguém que ele admirava muito, mas ela era uma dama a frente de um império perigoso. Não poderia esperar que ela simplesmente o visitasse na prisão. Ela só foi uma única vez.

- Por que não entra em contato? - Sugeriu animada.

- Ah, não! - Ele coçou o pescoço sem jeito. - Eu não poderia. E além disso ela com certeza tem mais o que fazer do que visitar um ex-funcionário esquecido. - Argumentou em negação.

- Bem, ela talvez tenha seus motivos pra não manter contato, mas isso não significa que ela o esqueceu ou não queira vê-lo. - Contrapôs o argumento dele. O loiro negou balançando a cabeça, mas pareceu pensar.

O barulho da porta se abrindo chamou atenção dos dois. Lena atravessava por ela com dois sacos de fast food na mão ao entrar. A detetive olhou para os dois no sofá com a sobrancelha arqueada e fechou a porta atrás de si.

- Bom dia. - Disse indiferente.

- Bom dia, Detetive. - Kelly se levantou com um sorriso educado e voltou seu olhar para o jornalista. - Então, continuamos na quinta?

- Claro. - Ele deixou a caneca na mesinha e se levantou também.

- Pense no que conversamos. - A médica disse em um leve tom de brincadeira e exigência.

- Tudo bem, doutora! - Concordou sorrindo para a moça e a acompanhou até a porta. Os dois se cumprimentaram com um abraço e se despediram.

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