Rotina

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O deck de um monte de Iates não era um lugar normalmente movimentado. Mas pelo que havia observado haviam três seguranças ali que conversavam, fumavam e riam de algo. Todos em frente a um dos maiores barcos ancorados ali cuja as luzes estavam acessas e uma música tocava dentro, mas movimento quase não era visto.

Ele não precisava de muito ou qualquer motivação quando engatilhou o revólver semi automático com silenciador e atirou no primeiro que bateu a cabeça e caiu na água alertando os outros dois que sacaram a arma olhando para todos os lados. Eles se comunicaram em sinais e um deles entrou no barco enquanto o outro se mantinha abaixado dando cobertura. Ele voltava do pier em direção a calçada devagar e tentando enxergar. E como um raio caindo no chão a bala atingiu sua nuca em cheio. Ele caiu na madeira fazendo um barulho de ranger pesado.

O outro subiu no topo do barco com um binóculo e duas armas carregadas para ver se achava o atirador. Ainda com a visão noturna encontrou seu outro amigo no chão jorrando sangue. O homem tremeu de raiva e agonia. Pegou a arma pronta para atirar apontando para todos os lados procurando qualquer sinal nos outros Iates vazios e fechados. Mas nada o preparou para a lâmina gelada que atravessou sua garganta rapidamente e o sangue espirrou sujando o barco esmaltado. O assassino largou a faca e levou consigo as duas armas que estavam com o capanga. Mas antes de sair dali deixou escrito em sangue:

Você é o próximo.

Naquele dia Kurt decidiu que não ficaria na procrastinação como tinha feito. Ele se levantou, tomou seu café da manhã e tratou de fazer as tarefas doméstica. Para acompanhar ele botou para tocar um cd com o melhor dos anos 80 e 90. Quem via o homem cantando tranquilamente pela casa enquanto arrumava não podia imaginar a sombra de tristeza que o acompanhava. A passagem de tempo tornou o luto mais leve, mas não mais fácil. Ainda doía todos os dias. Mas ele decidiu não pensar nela. Isso incluia seu estudo para voltar ao jornalismo. Ele poderia não voltar de forma normal, mas com a quantidade de blogs e websites não seria difícil voltar a escrever. Também pensou no seu desejo oculto de adolescência de escrever um livro. Agora tinha uma história ótima para isso, porém não sabia se realmente queria compartilhar.

Pediu as compras e não se surpreendeu ao ver uma moça de bike entregando na sua porta. Ela foi simpática e pareceu não se importar com o fato dele ter uma tornozeleira eletrônica. E foi reconfortante. A cada música ele decidia cantar e dançar entre uma limpeza e outra. Mesmo que não soubesse dançar. Tirou, inclusive, a poeira de sua amada estante de livros. E tirou algumas papeladas velhas que não faziam mais sentido. Entre Dostoiévski e Jane Austen encontrou uma fotografia. Nela três pessoas sorriam e se abraçavam comemorando um aniversário ensolarado. A loira que sorria apertando suas bochechas era Elisa, sua mãe. A ruiva que agarrava sua cintura fazendo careta para a câmera era Alex, sua irmã. Kurt se lembrou bem daquele dia, seu aniversário de 21 anos onde deram uma grande festa na piscina com a família e os amigos. O dia foi incrível e a noite ainda melhor! O loiro passou o resto do fim de semana passando mal por ter bebido tanto. Elisa cuidou de seus filhos, mas não deixou de dar um belo sermão nos dois. Quando a segunda-feira chegou estava indo embora para a faculdade de jornalismo.

Quando o cansaço bateu, o Danvers tomou um banho demorado e decidiu fazer um lanche. A música ainda tocava no rádio, agora mais baixa que antes, quando se assustou com uma batida na janela. Se levantou e foi olhar imediatamente e um drone voava meio torto. As crianças na rua pediram desculpas fazendo-o sorrir de leve. Ele olhou com atenção para a rua onde não podia pisar e viu as árvores soltando folhas com o vento. As pessoas ia e vinham de suas vidas sem olhar muito ao redor. E lá embaixo, no espaço de estacionamento um carro azul marinho parado do outro lado da calçada chamou sua atenção. Pelas folhas e o fato de ter marcas de molhado estava ali há algum tempo. Kurt deixaria para lá normalmente, mas algo em si não conseguiu. Uma criança se aproximou do carro para pegar a bola e olhou para alguém que estava dentro do carro e saiu meio assustada e olhando para trás como se tivesse prestes a ser seguida.

O loiro continuou observando em silêncio e se afastou um pouco da janela. Bem a tempo de ver o carro de Lena parar bem na frente do prédio. Ele sabia porque ela tinha uma picape grande de quatro portas que parecia gostar muito de dirigir. A detetive o ameaçou uma vez que se ele sujasse seu carro ela não hesitaria em atirar. Assim como também viu o carro azul arrancar dali calmamente ir embora. Por um instante achou que estava ficando louco ou algo assim. Ele voltou pro sofá e se deitou nele sem se importar muito com a chegada da Detetive que não demoraria a subir. Lena trancou o carro, acenou educadamente assentindo e adentrou o prédio já conhecido. A porteira já não se importava com sua presença no local que era constante.

- Danvers! - Ela chamou assim que abriu a porta sem se importar muito.

- Sabia que invasão de propriedade privada é crime? Principalmente sem mandato, Detetive. - Ele disse ainda no mesmo lugar e a mulher revirou os olhos sem se importar.

- Não há nada sobre você que eu já não saiba. Então pra quê formalidades?! - Sorriu irônica buscando água na cozinha.

- Que bom humor! Ficou encarregada de ser minha babá de novo? - Kurt a olhou se divertindo com a situação. Havia algo de bom nessa estranha amizade que tinham, podiam se provocar sem represálias.

- Não. Vim garantir que vai estar vivo. - Mentiu dando de ombros se sentando no sofá oposto a ele.

- Fofo. Mas você mente mal. - Cutucou. Fazendo-a revirar os olhos ignorando-o. Ele riu. Realmente esses momentos já estavam virando rotina mesmo mal tendo começado.

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