Capítulo 3

8 1 0
                                    

  O resto do almoço passou-se com olhares, como se os nossos olhos dissessem milhares de palavras de uma só vez, como se houvesse num olhar mais palavras do que estrelas num céu de verão. Quando ambos acabámos fomos levantar os nossos tabuleiros e dirigimo-nos á entrada da escola e senti uma sensação de que a qualquer momento poderia cair para o lado, mas ao mesmo tempo senti-me segura porque ele estava ali comigo e ele poderia ajudar-me. Não sei porquê, mas o meu instinto sugeria-me que o Bratt era a pessoa perfeita para se ter como amigo, ele está sempre lá, sempre pronto a ajudar-te, ou a animar-te com as suas caretas e piadas baratas, ou com os vídeos esquisitos que guarda no tiktok, mas ele está lá. O meu instinto também pode estar enganado, não seria a primeira vez.

  Passámos o cartão na portaria e seguimos cada um para seu caminho. Enquanto eu subia a rua em direção a minha casa senti o mundo começar a girar, mas eu já estava quase a chegar e não podia parar no meio da rua. Continuei a andar e senti os meus passos cada vez mais arrastados, difíceis e estava cada vez a ficar mais tonta. Faltavam 100 metros, talvez nem isso, para chegar a casa e os meus olhos estavam a fechar. Sentei-me no chão e respirei fundo 10 vezes. Passado cerca de 2 minutos, levantei-me e continuei o caminho como se nada tivesse acontecido. Não sei o que raio foi aquilo mas sei que se não tivesse parado algo pior tinha acontecido, ignoremos a situação.

  Entrei em casa e fui diretamente para o meu quarto, deitei-me e fechei os olhos. Não estava á espera de dormir, ou melhor, estava, mas tinha uma grande certeza de que ainda ia demorar. Isto foi algo que herdei "dele", de Lucas, que um dia foi uma pessoa muito importante e que agora era uma cicatriz. Quando algo atacava ele deitava-se, independentemente da hora, e raramente dormia, um mau hábito. Não foi só isso que herdei dele, mas isso fica para depois.

  Passei um longo bocado a rever na minha cabeça as coisas que ficaram por dizer entre mim e Lucas, e a forma como tudo acabou, tão repentino e inocente, tão incompleto e descontrolado. Gostava que tivesse acabado de outra forma, ou que não tivesse acabado, tudo isto é tão difícil. Dei por mim a recordar todos os momentos bons e a sentir-me mal porque não passaram disso, momentos bons, temporários e terminados, como ciclos encerrados e guardados através de cicatrizes escondidas, ou através de pesos transportados ás costas sempre que o nosso olhar se cruza, ou o nosso destino. Talvez este fosse o nosso destino, talvez tudo não passasse de uma falha, um erro, talvez isto não fosse suposto acontecer. Dizem que todas as pessoas que passam pela nossa vida têm uma razão para tal, mas ele, o Lucas, não teve, pelo menos eu não encontrei nenhuma razão possível, talvez para eu ter mais uma cicatriz, ou uma história para contar, ou uma razão para chorar todas as noites.

  Depois de me relembrar do quão incrível era a minha vida adormeci, não sei ao certo quanto tempo, apenas sei que acordei por voltadas quatro da tarde e já me sentia melhor. Peguei o telemóvel e tinha não uma, nem duas, mas três mensagens por ler. E adivinhem de quem eram? Exato, do Lucas não eram, eram do Bratt.

Bratt: Oi, melissa

Bratt: Estás bem?

Bratt: Já mandei a mensagem á 2 horas.

  Okay, agora tive a certeza que dormi pelo menos duas horas, e tenho a informar que me souberam extremamente bem, e em minha defesa, eu merecia-as, estive a estudar na noite passada até tarde então tive de recarregar o sono.

  Não gosto de deixar as pessoas sem resposta, então despachei-me a responder:

Eu: Claro que estou bem.

Bratt: Não me pareces muito bem quando demoras duas horas a responder a uma mensagem bastante simples.

Eu: Estava a dormir.

Bratt: Foste dormir ás duas da tarde?

Eu: Isso mesmo.

Bratt: Por alguma razão em específico?

Eu: Sono?

Bratt: Boa tentativa, mas achava que mentias melhor.

Eu: Tou a falar a sério.

Bratt: Pois também eu.

Eu: Vá, a sério. Juro que está tudo bem e que tinha apenas sono.

Bratt: Se tu o dizes.

  Deixei esta mensagem apenas como vista, não tinha nada a acrescentar e tinha medo que se dissesse alguma coisa a minha mentira fosse pelo ar então o melhor é manter as águas calmas entre mim e ele. Conhecemo-nos á muito pouco tempo, ele não tem que saber da minha ansiedade, nem de nenhum dos meus outros "dramas" (como muita gente lhes chama), porque talvez, só talvez, se eu lhe dissesse ele me visse de outra forma e me tratava de outra forma, como se eu fosse um cão abandonado, ia ter pena de mim e eu não quero isso, eu quero que me vejam como uma pessoa feliz, ativa e com um sorriso contagiante, quero que me vejam o lado bom, o meu lado em que finjo ser quem eu gostava de ser, porque no fundo sei que nunca serei essa pessoa.

  Peguei nos  cereais e coloquei-os numa taça, depois juntei o leite e levei a taça para a mesa. Pus uma série a reproduzir no meu telemóvel e comi os meus cereais enquanto assistia, como as crianças fazem para se portarem bem e comerem tudo. Eu acho que no fundo gostava de ser uma criança, gosto de desenhar sem regras, de ter tempo livre para fazer o que quero, de sonhar e acreditar que no futuro tudo se pode realizar e que os meus problemas desaparecem como que por magia. Mas não é assim que funciona, e descobres que já não és uma criança quando percebes isto. E então a minha cabeça começou a pensar no Lucas, na eventualidade dele voltar, do que seria se não tivesse acabado, teria alguma vez eu sentido os lábios dele nos meus, ou os braços dele em meu redor? Fui só eu que senti, ou ele em algum momento também sentiu as borboletas no estômago, e os sinais das estrelas, todos os impulsos do Universo que eu senti. Ele também os sentiu?

My OxygenOnde histórias criam vida. Descubra agora