Capítulo 2

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  O intervalo que se segue tem apenas cinco minutos, o que é o suficiente para os professores trocarem de sala, porque é isso que importa, o tempo de aulas e não a saúde dos alunos, porque afinal, nós podemos morrer em paz na escola com a saúde mental destruída e pela falta de autoestima pelos padrões elevados dos professores e incapazes de confiar em nós próprios, sem conseguirmos alcançar os nossos objetivos, sem termos um segundo para respirar fundo e sempre pressionados por datas de limite e por testes seguidos uns dos outros, constantemente a testarem-nos a memória, não a inteligência, a testarem-nos a resistência mental, e a torturar-nos e pressionar-nos cada vez mais, até sermos esmagados pela insuficiência e ficarmos destroçados ao ponto de desistir. E uma vez mais, eles ganham, porque é assim que funciona, eles ganham sempre.

  Sim, foi só nisto que deu pra pensar em cinco minutos, porque logo que acabei os pensamentos chegou a outra professora, a de inglês, para terminar o dia de aulas. Eu ia a entrar na sala, já abalada pela falta de resistência que o meu corpo exercia sobre mim quando me lembrei de outra forma de pedir ajuda, porque é isso só que preciso. Claro que ando na psicóloga, mas é extremamente difícil expressar-me por palavras então eu vou lá apenas para conversar e matar aulas, o que me liberta imenso peso.

  A aula de inglês resumiu-se a desenhar. Fiz basicamente rabiscos sentimentais, que provavelmente ninguém vai entender como pedido de ajuda, porque é disso que este livro se trata, de um pedido de ajuda, um bocado romantizado. No papel do meu diário gráfico de tamanho A5, de capa cinzenta com elástico também cinzento, desenhei: um olho, como que a ser hipnotizado e com algumas veias em redor em tons de roxo e cor de laranja; o olho encontra-se no centro de uma chama de fogo, com um degradê (com as cores: vermelho, laranja, roxo e castanho, respetivamente, de cima para baixo); em redor da chama encontra-se uma teia, na qual o fogo está preso, embrulhado. O desenho não foi feito para ser compreendido, na verdade só eu o compreendo, e ainda bem, porque garanto que se as pessoas começassem a compreender os meus desenhos, acho seriamente que me internavam num manicómio. 

  Claro que a curiosidade mata, por isso vou passara a explicar: o olho hipnotizado significa o controlo de tudo sobre mim, da minha mãe, da escola, e o facto de ser roxo e laranja é para simbolizar o medo e a fraqueza. Quanto ao fogo, é mais por simbolizar um trauma que eu tenho do fogo, o pânico, o medo, a falta de reação sobre as coisas, e quanto ás cores, é por pesar tanto em mim que eu desenhei um grande contraste de uma scores para as outras, no princípio parece um degradê normal e no final, já não, ou seja, aos olhos das pessoas é normal, mas para mim é muito diferente. A teia de aranha, é mesmo isso, uma forma de expressar a minha falta de liberdade, de expressividade, de ter uma opinião própria e de poder pensar por mim mesma, como se estivesse num regime ditatorial. 

  A aula passou extremamente rápido e acho que o meu corpo já se habituou ás minhas dificuldades de aceitar as necessidades básicas humanas. Dirigi-me ao refeitório para almoçar, porque mesmo que não tenha aulas á tarde, eu almoço na escola, porque sim simplesmente. A fila estava vazia então eu avancei rapidamente para o refeitório, onde me sentei, sozinha.

  Comecei a comer o prato principal, que não tenho bem a certeza o que era, mas não era totalmente mau, só metade mau. Enquanto avaliava a comida mentalmente, como se fosse um júri de um daqueles concursos de culinária, apareceu Bratt e sentou-se á minha frente, com um sorriso ligeiro e calmo, típico dele, e fica lindo nele. Eu adoro quando as pessoas têm características próprias , isso torna-as tão especiais, tão únicas e isso é incrível, porque não se deixam abalar pelos próprios erros e continuam com as suas atitudes naturais, é simplesmente... algo que gostaria de ter. E talvez cabelo preto, também gostaria de ter cabelo preto.

  -Posso sentar-me aqui?- perguntou, com os olhos presos nos meus.

  Admito que me senti tentada a dizer que não, que queria ficar sozinha e pensar na minha vida, nas minhas coisas, em cada problema e em cada detalhe da minha vida e do meu corpo, mas quando vi os seus olhos a implorarem-me por resposta, respondi quase que a gritar:

  -Sim.

  Tenho muito a agradecer-lhe, ele travou os meus pensamentos, que já estavam meio descontrolados, ou melhor, muito descontrolados, ele fez-me um favor.

  Pousou as suas coisas e sentou-se na cadeira diretamente á minha frente, colocou-se confortável e começou a comer. 

  -Como te correram as aulas?- perguntou.

  -Bem, e as tuas?

  -Também, menos educação visual, não gosto nada.

  -Pois, eu disso não me posso queixar, a minha professora é íncrivel.

  -A minha não.

  Soltei um riso, leve, porque afinal, tendo em conta as caretas que ele estava a fazer era quase impossível não me rir. Tudo aquilo fazia parte da sua personalidade, as respostas imediatamente seguidas das perguntas, as caretas e expressões e a forma de ele fazer o que quer que seja, porque ele tem personalidade e não a deixa por ninguém.

  -Tens covinhas?- perguntou o Bratt, fazendo de novo uma careta interrogativa e fixando os ses olhos nos meus.

  -Oh, não vamos falar sobre isso.

  -Tu não gostas?

  -Não.- fui sincera e direta, podem julgar-me?

  -Eu gostava de ter.

  -É estranho.

  -É giro.- senti a conversa quebrar e eu comecei a sentir calor, não recebia elogios todos os dias.

  -Devias sorrir mais.

  -Estás a sugerir que eu não sorrio?- fingi-me de insultada e prossegui a conversa, deixando fugir outro sorriso.

  -Não, estou só a sugerir que devias sorrir ainda mais do que sorris, porque ficas bonita.

  Não estou habituada a receber este tipo de comentários, muito menos de uma pessoa relativamente popular, como o Bratt.

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