lição três: crenças

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existe e, muitas vezes, desejamos nos comunicar com ela. Como
indivíduos, desejamos agradecê-la pelo que temos e pedir pelo que
precisamos. Como podemos fazer isso com um poder tão
incompreensível?
No século VI AEC, o filósofo Xenófanes evidenciou o fato de que as
divindades são determinadas por fatores étnicos. Ele sublinhou que os
negros da Etiópia viam seus deuses com traços negroides, enquanto os
deuses dos trácios eram brancos, com cabelos vermelhos e olhos
cinzentos. Ele cinicamente comentou que, se os cavalos e bois
pudessem esculpir, eles provavelmente representariam seus deuses na
forma animal! Cerca de 750 anos depois, Máximo de Tiro disse
exatamente a mesma coisa: que os homens reverenciam seus deuses
em qualquer forma que lhes pareça inteligível.
Imagem da DeusaImagem do Deus
Na Lição Um, você aprendeu que, em seu desenvolvimento inicial, as
pessoas passaram a adorar duas divindades principais: O Deus
Cornífero da Caça e a Deusa da Fertilidade. Eles eram nossas
representações – sob formas compreensíveis – do Poder Supremo que
de fato rege a vida. Nas várias áreas do desenvolvimento humano,
vemos que essas representações tornaram-se, para os antigos egípcios,
Ísis e Osíris; para os hindus, Shiva e Parvati; para os cristãos, Jesus e
Maria. Em quase todos os exemplos (existem exceções), a Divindade
Suprema era equalizada com o masculino e o feminino... dividida em
um Deus e uma Deusa. Isso parece ser o mais natural, uma vez que em
qualquer lugar na natureza pode-se encontrar essa dualidade. Com o
desenvolvimento da Arte, como a conhecemos, existiu também, como
vimos, essa dualidade de um Deus e uma Deusa.Os Nomes das Divindades
Conforme mencionado na Lição Um, os nomes das divindades variam
dependendo do lugar. E não apenas isso. Com a Deusa, especialmente,
a questão dos nomes pode se tornar muito complexa. Por exemplo, um
homem jovem com problemas amorosos pode reverenciar a Deusa em
seu aspecto de linda donzela. Uma mulher durante o parto pode se
sentir mais confortável relacionando-se com a Deusa numa forma de
mulher mais madura, “na meia-idade”. Assim como uma pessoa mais
velha vai tender a pensar na Deusa como uma anciã. Logo, temos três
aspectos separados e bem distintos da mesma Deusa, cada uma delas
com um nome diferente, mas ainda assim a mesma divindade. Como se
não bastasse, as divindades terão nomes conhecidos aos adoradores em
geral, mas também outros, secretos (muitas vezes dois ou três),
conhecidos apenas pelo sacerdócio. Essa era uma medida de proteção.
“PAN – deus grego da natureza e da fertilidade, nativo da Arcadia. Como
tal, ele é o deus dos rebanhos de ovelhas e é geralmente representado
como uma criatura muito sensual; um homem com os cabelos
despenteados até os quadris, com orelhas pontudas, chifres e pés de
bode. Ele perambula pelas montanhas e pelos vales, perseguindo ninfas
ou liderando-as em suas danças. É um deus muito musical, inventor da
siringe, ou “flauta de Pan”. Ele é considerado filho de Hermes.”Putnan’s Concise Mythological Dictionary
Joseph Kaster
Putnan, Nova York, 1963
Na Bruxaria de hoje existem muitas tradições que mantêm essa
multiplicidade de nomes. Tradições com sistemas de graus, por
exemplo, muitas vezes usam diferentes nomes para as divindades em
seus graus superiores. A gardneriana é um exemplo disso.
Portanto, temos essa ideia de uma Divindade Suprema, um poder
incompreensível e, na tentativa de nos relacionarmos com ela, nós a
dividimos em duas entidades, uma masculina e outra feminina,
atribuindo nomes a elas. Parece que, ao fazer isso, estamos limitando o
que é, por definição, ilimitado. Mas, contanto que você saiba e tenha
sempre em mente que esse poder é ilimitado, você vai perceber queesse é o caminho mais fácil a seguir. Afinal, é muito difícil rezar para
uma “Coisa”, um Poder Supremo, sem conseguir representá-la como
alguém em sua mente.
No Judaísmo, existe esse problema em certa medida (embora o
Judaísmo seja uma fé teocêntrica). O Poder Supremo, nesse credo, tem
um nome que não pode ser pronunciado nem escrito. Yahweh é a
forma vocalizada mais usada, mas ela é derivada de quatro letras, YHWH
(o “Tetragramaton Divino”), um nome sagrado demais para ser
pronunciado.
No Cristianismo, designa-se um homem, Jesus, como “Filho de
Deus”, o Cristo, conferindo assim uma forma “reconhecível” para a
divindade, uma forma com a qual os seguidores pudessem se
relacionar. Com Maria, a figura da Mãe, a dualidade está completa.
Assim, ficou muito mais confortável rezar para Jesus, como uma
extensão de Deus/Ser Supremo, sabendo-se o tempo todo da existência
do indefinível, incompreensível, além dele. Jesus e Maria são os
intermediários.
Na Bruxaria, acontece a mesma coisa: aqueles que conhecemos
como Deus e Deusa são nossos intermediários. Como já mencionado,
cada tradição usa um nome diferente para designar “formas
compreensíveis” do Ser Supremo, da Divindade Máxima. Eles são as
divindades honradas e cultuadas nos rituais wiccanos.
O Deus e a Deusa da Bruxaria
Uma queixa geral dos Bruxos contra o Cristianismo é que se cultua uma
divindade masculina, com a exclusão da feminina. De fato, essa é uma
das principais razões pelas quais as pessoas (especialmente as
mulheres) deixam o Cristianismo de lado e se voltam para a Antiga
Religião. E ainda assim é paradoxal que muitas – senão a maioria – das
tradições de Bruxaria sejam culpadas desse mesmo “crime”, mas pelo Mortos e na busca por Tannaz; na perda dos cachos dourados de Sif; na
perda das maçãs douradas de Idunn; na morte e na ressurreição de
Jesus; na morte e na ressurreição de Shiva e muitos mais. Basicamente,
todos representam a chegada do outono e do inverno, seguida pelo
retorno da primavera e do verão; a figura principal representando o
espírito da vegetação. Eis o “Mito da Deusa” como encontrado na Wicca
gardneriana (a) e na Wicca saxônica (b).
“D nunca tinha amado, mas ela tinha de resolver todos os
Mistérios, até mesmo o Mistério da Morte; e por isso ela iniciou
sua jornada às Terras Baixas.
Os Guardiões dos Portais a desafiaram: ‘Despe-te de tuas
vestes, deixa de lado tuas joias, pois nada disso podes trazer
contigo para as nossas terras’.
E assim ela se despojou das vestes e das joias e foi amarrada,
como todos os que adentram nos reinos da Morte Todo-
Poderosa. Tal era sua beleza que a própria Morte ajoelhou-se e
beijou-lhe os pés, dizendo: ‘Abençoados sejam os pés que te
trouxeram a este caminho. Fique comigo, deixe-me colocar
minha mão fria em teu coração’.
Ela respondeu: ‘Eu não te amo. Por que causas o declínio e a
morte de todas as coisas que eu amo e que me são caras?’.
‘Senhora’, respondeu Morte, ‘é a idade e o destino, contra os
quais sou impotente. A idade faz com que todas as coisas
minguem, mas, quando os homens morrem, quando chega sua
hora, eu lhes dou descanso e paz, além de força para que
possam retornar. Mas tu, tu és adorável. Não volte, fique
comigo’.
Mas ela respondeu: ‘Eu não te amo’.
‘Então’, disse a Morte, ‘Se não recebes minha mão em teu
coração, deves receber o chicote da Morte’.‘Se é o destino, que seja’, disse ela, ajoelhando-se; e Morte a
chicoteou, e ela gritou: ‘Eu sinto as dores do amor’.
E a Morte disse: ‘Abençoada Sejas’ e lhe deu o Beijo Quíntuplo,
dizendo: ‘Que você conheça a alegria e o conhecimento’.
E a Morte ensinou a ela todos os mistérios. E elas se amaram e
foram um só, e a Morte ensinou a ela todas as magias.
Pois existem três grandes eventos na vida do homem: o Amor, a
Morte e a Ressurreição num novo corpo; e a Magia controla
todos os três. Pois, para conhecer plenamente o amor, você deve
voltar à mesma época e ao mesmo lugar que a pessoa amada, e
deve se lembrar e amá-la novamente. Mas, para renascer, você
tem de morrer e estar pronto para um novo corpo; para morrer,
você tem de nascer; e, sem amor, você não pode nascer. E tudo
isso é Magia.”
The Meaning of Witchcraft
Gerald. B. Gardner
Aquarian Press,
Londres, 1959Freya e Loki
“Todos os dias, Freya, a mais adorável das deusas, brincava e
corria pelos campos. Um dia, ela se deitou para descansar.
Enquanto dormia, o hábil Loki, o Travesso, o Enganador dos
Deuses, espiava o resplendor do Brosingamene, o colar mágico
dela, feito de Galdra, seu companheiro constante. Silencioso
como a noite, Loki foi até a Deusa e, com dedos de uma leveza
adquirida ao longo das eras, removeu o colar de prata do níveo
pescoço da Deusa.
Assim que sentiu sua ausência, Freya despertou. E, embora
Loki se movesse com a velocidade dos ventos, ela viu quando ele
passou velozmente e sumiu de vista, em direção a Drëun,
embaixo da terra.
Freya ficou desesperada. As trevas desceram sobre ela para
encobrir suas lágrimas. Grande era sua angústia. Toda a luz,toda a vida, todas as criaturas se uniram à sua dor.
A todos os cantos do mundo foram enviados exploradores, em
busca de Loki, ainda que soubessem que não o encontrariam.
Pois quem haveria de descer a Drëun e de lá retornar?
Exceto pelos próprios deuses e pelo enganador Loki.
Ainda que debilitada pelo sofrimento, Freya decidiu descer ela
mesma em busca do Brosingamene. Nos portais da Terra dos
Mortos, ela foi desafiada, reconhecida e passou.
A multidão de almas lá dentro gritou de alegria ao vê-la, mas
ela não podia se demorar, pois buscava sua luz roubada.
O infame Loki não deixara pistas a seguir, mas, ainda assim,
ele fora visto em todos os lugares por que passara. Aqueles com
quem Freya falava diziam que Loki não carregava consigo
nenhuma joia.
Onde, então, ele a escondera?
Em desespero, ela procurou durante uma era.
Quando Hearhden, o poderoso ferreiro dos deuses, acordou do
seu descanso ao sentir o lamento das almas pela dor de Freya e
deixou sua forja para descobrir a causa de tamanha tristeza,
ele viu o Colar de Prata onde Loki, o Enganador, o deixara:
sobre uma rocha, diante de sua porta.
Então tudo ficou claro. No momento em que Hearhden pegou
o Brosingamene, Loki apareceu diante dele, o rosto enfurecido.
Ainda assim, Loki não atacou Hearhden, o poderoso ferreiro
cuja força era conhecida até mesmo além de Drëun.
Usando truques e engodos, ele disputou o colar de prata.
Mudava de forma e corria de um lugar para o outro; ficava ora
visível, ora invisível. E ainda assim não conseguiu vencer o
ferreiro.
Cansado da luta, Hearhden levantou sua poderosa clava e
afugentou Loki.Grande foi a alegria de Freya quando Hearhden colocou o
Brosingamene novamente em seu pescoço branco.
Grandes foram os gritos de alegria vindos de Drëun e acima.
Grande foi a gratidão de Freya, e de todos os homens, aos
deuses, pela volta do Brosingamene.”
The Tree: The Complete Book
of Saxon Witchcraft
Raymond Buckland
Samuel Weiser, Nova York, 1974
Com referência ao assunto dos nomes das divindades, deixe-
me explicar os nomes escolhidos pela Seax-Wica. De tempos
em tempos, eu ouço comentários de pessoas que nunca se
dão ao trabalho de olhar além do próprio nariz, dizendo que
Woden e Freya não eram o “par” original de divindades
saxônicas. É claro que não eram, e ninguém – eu muito menos
– disse que eram. Eis aqui como a origem da tradição foi
explicada, pela primeira vez, em 1973: “Parece que a maioria
das pessoas que se interessa pela Wicca também se interessa
por uma tradição (será que isso explica a disputa pelo título
de ‘tradição mais antiga’?). Por essa razão, dei à minha tradição
uma base histórica sobre a qual se apoiar. Especificamente,
uma base saxônica. Ao dar essa ênfase, não estou afirmando
que sua liturgia tenha uma origem saxônica direta! (...) Mas
era preciso, por exemplo, dar nomes às divindades... o deus e
a deusa principais dos saxões eram Woden e Frig.
Infelizmente, na língua inglesa, ‘frig’ tem certas conotações
vulgares, hoje em dia, que poderiam gerar uma interpretação
equivocada! Eu adotei, então, a variação nórdica, Freya. Por
isso, Woden e Freya são os rótulos usados para o Deus e a
Deusa cultuados na Seax-Wica”.

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