Coincidência em excesso é perseguição

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ISADORA

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— Façam o exercício das páginas 20 e 21, semana que vem dou o visto.

Ouço um coro de insatisfação, mas fico em silêncio por um instante, até que a turma se acalme 

— Agora sim, podem ir pro intervalo.

Os alunos saem da sala com pressa, alguns bufando de raiva. Correm pra cantina como se a comida do mundo fosse acabar se não chegarem a tempo. 

Organizo minha bolsa e me dirijo à sala dos professores, que está quase tão caótica quanto o pátio da escola. O espaço é bem amplo, mas se torna pequeno com todo o corpo docente reunido. Alguns professores jogam sinuca, outros conversam animadamente sobre os acontecimentos da semana e outros, como Arthur e eu, nos sentamos no sofá de almofadas coloridas enquanto não toca pro horário seguinte, só esperando a alma voltar para o corpo. 

— Eles tão falando de quem? 

Coloco minha bolsa no braço do sofá e me sento, ocupando todo o espaço disponível. Passaria o dia inteiro ali, se pudesse. Quem sabe na semana que vem eu não faço todas as aulas por vídeo-chamada? Até que não seria uma má ideia.

— Do professor substituto de artes. — Arthur bebe de maneira elegante um gole do que acredito ser seu quarto ou quinto café do dia.

— Ah, verdade! A licença de Eliza começa semana que vem, né? — Arthur balança a cabeça, confirmando. 

— Ele veio hoje pra conhecer a escola e ser apresentado pras turmas. Saiu daqui agorinha. Gente fina, acho que você vai gostar dele.

— Cheguei tarde então. — Pego na bolsa o sanduíche e o suco de uva que trouxe de casa.

— Pois é, o intervalo já vai acabar. O que rolou? Prendeu os alunos na sala de novo? 

Olho a hora no relógio de parede da sala dos professores: faltam cinco minutos pro quarto horário. Suspiro.

— Aquela turma do nono ano tá impossível. Mal consegui dar aula, por isso tirei o intervalo deles como punição. De novo. — Bebo um gole do meu suco, irritada só de lembrar. — E vou continuar fazendo enquanto eles não deixarem eu dar minha aula direito.

— Aí você também fica sem intervalo. — Arthur beberica seu café enquanto me dá um olhar de julgamento. Dou de ombros e mordo meu sanduíche. — Essa é uma escolha muito inteligente, amiga. Você sempre toma as melhores decisões, parabéns. 

Mal termino de comer e ouço o sinal da escola, anunciando o fim do intervalo. Os alunos sempre ficam bastante agitados depois do recreio, principalmente os sextos e sétimos anos, que chegam na sala pingando de suor depois de vinte minutos brincando de queimada na quadra. 

Lembro que tive dificuldade em controlar esse caos quando dava aula pras turmas menores. Minha sorte foi que Eliza pediu pra trocar as turmas comigo, consigo me comunicar melhor com os adolescentes e os pequenos adoram ela, então deu muito certo. Boa sorte ao professor que vai substituí-la nos próximos seis meses, não vai ser tarefa fácil.

Entro na sala do segundo ano do ensino médio e alguns alunos que estavam no pátio correm ao me ver fechando a porta lentamente. Já avisei a eles: depois que eu fechar a porta, não deixo mais ninguém entrar - com algumas turmas isso funciona, já outras, não. Cumprimento a turma e dou início à aula sem muitas dificuldades, até que ouço um burburinho no canto da sala que chama minha atenção.

— Achou o insta do professor novo?

— Ainda não, já olhei tudo quanto é Miguel que segue o insta da escola, mas não tem nenhum parecido com ele.

Mal-te-queroOnde histórias criam vida. Descubra agora