Sinais

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Por sorte o garoto que lhe acompanhava era magro, ao tocar sua cintura para auxiliar a subida ao teto, Suppasit percebeu que até demais. As costelas podiam ser contadas e o medo de quebrá-lo ao meio foi real demais nos pensamentos do ex militar. Ele faria alguma coisa sobre isso mais tarde… se eles saíssem dali. O que seria agora ou nunca, já que assim que o pé do garoto some sobre o buraco no teto, o estouro da porta ecoa pela cozinha, Suppasit tem tempo apenas de se jogar pra cima quando os homem invadem o ambiente, derrubando tudo por onde passam. Os olhos do garoto se arregalaram, e ainda que estranhamente o menor estivesse silencioso, o mais velho cobre sua boca o puxando pra perto de si.

Os ruídos continuam lá embaixo, os resmungos e xingamentos aos poucos começam a ficar mais distantes. Após o silêncio tomar o espaço, Suppasit solta o garoto, pedindo que ele ainda ficasse em silêncio, recebendo um aceno de cabeça do pequeno de olhos grandes e úmidos. O homem musculoso observa através do buraco da ventilação, antes de se jogar pra fora e encarar as condições do local, os utensílios e até mantimentos estavam jogados pelo chão, formando uma bagunça melecada e cheia de aromas, mas por sorte o local já estava abandonado.  Limpando um pouco das coisas pelo caminho ele chama pelo garoto ainda escondido, e que ficou completamente silencioso esperando por seu comando. Não sabia como chamá-lo, então apenas assobia, mas o garoto não responde, suspirando fundo sem saber exatamente porque se meteu naquela confusão, Suppasit torna a colocar a cabeça através do espaço no teto. Lidar com situação de estress era comum para o militar, manter o controle da situação era o primeiro ensinamento do campo de batalha, um passo em falso e toda operação ia por água abaixo, anos e anos lidando com as cenas e situações mais assustadoras e sangrentas que alguém poderia sequer imaginar, mas de uma forma mais que incoerente, foi diante daquele visão que sua respiração parou e o peito se apertou. O garoto frágil e gélido, havia desmaiado.

...

Como conseguiu sair de lá sem chamar atenção com o garoto inconsciente em seus braços, ele não fazia ideia, mas por fim conseguiu chegar no pequeno apartamento que lhe servia de esconderijo, mas ainda não conseguia acreditar na cena sobre a cama. O garoto ainda adormecido, tinha sobre a testa uma compressa fria, numa tentativa de baixar a febre que provavelmente lhe causou o desmaio, e como seria diferente se o corpo do garoto parecia ter sido usado como saco de pancadas. Nem em seus dias de baderna na adolescência, Suppasit nunca viu alguém naquele estado. Suas mãos se apertam ao encarar as manchas roxas e as cicatrizes deformadas sobre a pele morena, que chegaram a mancher de vermelho a camisa do mais novo. Feridas que claramente não foram tratadas e pior ainda, reabertas inúmeras vezes. O garoto se agita sobre os lençóis, chamando atenção do mais velho. Ao se aproximar, a suor podia ser visto escorrendo sobre seu rosto, soltando uma exclamação de frustração, ele se aproxima, umedecendo a toalha em água fria, tentando baixar a febre do pequeno sem nome, e diante da frieza da água, os olhos do menor se abram um pouco assustados

— Shh, ta tudo bem. Você está seguro aqui – as mãos de Suppasit, empurrar lentamente o garoto de volta a cama, que em meio ao susto se ergueu, e logo resmungou a dor das feridas expostas — Não faça força, não sei qual a extensão de seus ferimentos. Um médico já está a caminho, descanse mais um pouco por favor!?– o garoto ainda lhe encarava de olhos atentos, mas completamente obediente, torna a deitar. Suppasit encara com mais atenção o menor
— Qual seus nome ? – enxugando a testa do garoto, o ex-militar acompanha a respiração pesada do mais jovem, que se mantém em silêncio — Olha garoto, já quebrei muitos protocolos pessoais por sua causa, acho que o mínimo que mereço é uma resposta – o homem não parecia bravo, mas estar no escuro sobre aquela criança lhe deixava mais do que agoniado, engolindo em seco, de olhos piscantes, o pequeno garoto agarra sua mão, mantendo os olhos fixos nos seus. 

O dedos indicador passa lentamente sobre sua palma, desenhando contra sua pele, de forma estranha a delicadeza do dedo alheio fazia cócegas contra seus calos ásperos. O desenho formado em sua mão chocou um pouco o mais velho, ao ser percebido como letras. O garoto desenhava letras com o dedo, respondendo a pergunta feita pelo mais velho – G…U…L…F. Gaf, seu nome é Gaf !? – o menor acena a cabeça, ainda segurando as mãos de Suppasit. A forma de comunicação escolhida pelo garoto intriga o homem — Você é mudo? – a cabeça do garoto balança ansioso. E isso só aumentava um incômodo que o homem sentia — Por que não fala então? –  seu questionamento parece envergonhar o pequeno, sua mão é solta e o rosto do garoto se vira, quebrando o contato visual. Seu corpo parecia tremer, não que Suppasit já não tivesse percebido, mas quanto mais fuçava ali, mas lamacenta essa história parecia. Dotado sempre de muitas sagacidade e instinto, Suppasit segura o rosto do garoto, o virando novamente em direção ao seu, sem intenção de machucá-lo mas sem controlar a força em sua mão, o aperto do mais velho, acerta o corte sobre o lábio do menor, o fazendo abrir um pouco os lábios e soltar um resmungo doloroso. E quando os olhos de Mew se deparam com aquilo, depois de tantos horrores vistos em guerra, aquela foi a cena que conseguiu embrulhar o estômago do militar. 


O som da campainha ecoou pelo pequeno apartamento, e logo a porta foi aberta. O convidado que chegava, já sabia a senha de cor, tamanha a quantidade de vez que precisou invadir esse apartamento pra evitar que o pior acontecesse com aquele que o chamava. Mas para sua surpresa, seus serviços não foram solicitados diretamente para o amigo — Humm, Cheguei em um mal momento? – Suppasit que estava muito próximo do garoto sobre a cama, se levanta em fúria, fazendo um rombo na parede ao lado da porta. O soco sobre a parede deixou marcas escarlate sobre a pele do militar, mas os olhos eram mais vermelhos que o sangue que manchava a camisa — Vá logo e faça alguma coisa – o médico que acabara de chegar, se surpreende. Suppasit nunca foi sensível a essas coisas, o que poderia deixá-lo tão inquieto assim!?

Mas quando se aproximou do garoto, as coisas pareceram fazer sentido. Os hematomas em vários níveis de coloração não eram incomumente vistos por Suppapong. Mas a repugnância da situação era o fato de que vários tons se sobrepunham uns sobre os outros, deixando claro, que o garoto foi atingido várias e várias vezes no mesmo lugar. Além das marcas mal cicatrizadas, alguns cortes foram unidos por grampos de papel, o embrulho sentido por Saint foi mais intenso do que os que ele sentiu na faculdade, durante durante por época das aulas de necropicia. O garoto parecia ter por volta da sua idade, mas o estado e fragilidade de seu corpo não aparentava mais do que 18 a 20 anos.  Engolindo o horror sentido, o médico cumprimenta o garoto, obviamente assustado
— Olá pequeno, sou Saint, sou médico e quero apenas lhe ajudar ok!? – os olhos assustados do garoto apertava o peito do médico, e a atenção do garoto é direcionada ao mais velho no quarto, que apenas acena com a cabeça e sorri, como se disse ao menor que tudo estava bem. 

Ao começar os exames básicos, Saint já sabia algumas coisas que encontraria ali, claramente desnutrição e desidratação seria a base do problema, possivelmente precisaria levá-lo ao hospital, devido a quantidade de hematomas, fraturas internas não podiam ser descartadas, ao exame de toque não pareciam haver órgãos perfurados, mas apenas as imagens descartaria complicações mais graves. A febre já começava a aquecer  novamente o corpo do menor, que tremia, nervosos e envergonhado sobre o toque do médico — Esta indo muito pequeno, já já acabamos. Poderia abrir a boca? – o doutor se vira pra pegar os palitos e a lanterna em sua maleta, mas ao se virar o menor já não estava mais ali
— Ei, não deve se mexer assim, é perigoso – buscando com os olhos, o jovem desconhecido, ele o encontra escondido as costas de Suppasit, que apertava as mãos com fúria ao lado do corpo — Eii, eu não vou te machucar garoto. Mew… o que esta acontecendo? – Saint realmente não entendia o clima do lugar, seu amigo nunca foi de se importar muitos com pessoas alheias, não que fosse rude, apenas tinha suprimindo tanto sua empatia ao lidar com os horrores da guerra, que dificilmente algo conseguia lhe tocar dessa forma, mas ali estava aquele garoto pra provar que o homem ainda tinha um coração pulsante. De forma protetora, Mew agarra os ombros do menor, o colocando cara a cara e de forma doce, como Saint nunca presenciou ele questiona o garoto — Por que está com medo!? Ele não vai te machucar, pelo contrário ele quer curar você – o médico e amigo, espera ansioso e curioso a conversa unilateral, já que o pequeno paciente não responde em voz, mas sim em toques contra a palma de Suppasit.

Ao final da "conversa" um suspiro cansado e um trincar de dentes foi ouvido, saído diretamente dos lábios do militar — Ele disse que não quer te assustar ou te deixar  bravo como eu fiquei – após informar o amigo, Suppasit respira fundo acalmando a si mesmo — Eu não fiquei… Bem, eu fiquei bravo, mas não foi com você. Você não tem nada com o que se preocupar, queremos apenas te ajudar ok, deixe Saint fazer o trabalho dele – o pequeno de olhos úmidos, ainda encara Suppasit, mas concorda em se aproximar do médico. Obedecendo sem questionamentos, Gulf volta até a cama e senta, comportado e silencioso em frente ao médico, que guarda pra si os pensamentos. Por hora apenas a saúde do garoto importava. Saude essa que naquele momento Suppapong teve conhecimento do quão frágil era. 

A língua outrora rosada, agora era pálida, o halito amargo e fetido não era culpa do menor, era apenas consequências das inúmeras lacerações sobre a língua, algumas abertas outras simplesmente fechadas com linha de pesca. As marcas de mordidas sobra as bochechas davam a ideia de auto mutilação, diferente das da ligua que foram infringidas por um objeto cortante. Sobre as bochechas era claro o fato de que o menor mordia a própria boca, pra suportar a dor, que não teria régua capaz de medida.  A dificuldade em engolir o horror visto diante de si, trouxe lágrimas aos olhos do médico — Ohh pela Deusa Mew, quem fez isso? – a garganta de Saint parecia fechar, como aquela criança tinha sobrevivido a tudo isso, era apenas uma das perguntas que lhe consumia os neurônios. Um arrepio lhe atingiu a espinha, ao reconhecer o tom de voz com que o amigo lhe respondeu a pergunta feita, a voz que deixava claro… A época de caça havia começado. 

— Não sei… mas eu vou descobrir.

O códigoOnde histórias criam vida. Descubra agora