Capítulo 1

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! AVISOS !

Este capítulo contém gatilhos dos seguintes assuntos: menção a suicídio; ansiedade.

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Eu uso essa coroa de merda
Sentado no meu trono de mentiras
Cheio de pensamentos quebrados
Que não consigo consertar
Debaixo das manchas do tempo
Os sentimentos desaparecem

[...]

Se eu pudesse começar de novo
A milhões de milhas daqui
Eu me resguardaria
Eu acharia um caminho

Hurt (Quiet) - Nine Inch Nails

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20 DE OUTUBRO DE 2016

Aiden está morto — como se fosse um açoite atravessando o algodão cinza das nuvens da garganta, repeti as palavras das quais escrevi com apressada precisão naquela folha alva do caderno velho e ranzinza, antes de ser arremessado ao chão havia algumas horas. Um sussurro sepulcral que somente eu e a minha cabeça tinha a chance de escutar. Um murmúrio trêmulo do meu grito silencioso desvanecendo pela atmosfera amena.

  Tentaram me matar havia 297 dias. Mas mesmo assim tentei me matar havia 2 horas, às 4 horas da manhã, com as nuvens soturnas me acariciando com as suas mãos invisíveis; com toda a tristeza que eu estava sentindo presa às fibras finas e pesadas das quais engoliam goles do meu desespero. Nesse mundo, existiam diferenças entre perecer pelas mãos de alguém e entre você mesmo fazer o trabalho sujo: se você cometesse um suicídio, seu cérebro compreenderia suas escolhas e faria-o sentir alívio, só que dependeria do quanto você poderia estar aflito; por outra pessoa, o terror te afundaria num atlântico, e a única coisa que restaria seria o arrependimento junto aos filmes de lembranças inimagináveis.

   Ou seja, eu era um cadáver infungível com o coração pulsando sangue às artérias. Uma vez que existiam sangues um dia vívidos em minhas mãos em minhas falanges em meus dedos e̶n̶s̶a̶n̶g̶u̶e̶n̶t̶a̶d̶o̶s, eu tive o direito egoísta de preferir ser enterrado a sete palmos do chão pela pá deles. T̶u̶d̶o̶ p̶o̶r̶q̶u̶e̶ e̶u̶ e̶r̶a̶ f̶r̶a̶c̶o.

  A morte é inevitável para alguns, como a única porta de saída que poderia enxergar em meio a um incêndio; desejável para outros, que só a ansiavam mas que, na verdade, temem o fim. Libertador para mim, que finalmente poderia cessar os gritos dos meus pesadelos sangrentos e que poderia acabar com o peso das minhas costas. Minha vida acabara. Mas a morte não fora totalmente libertadora e̶ t̶a̶l̶v̶e̶z̶ j̶a̶m̶a̶i̶s̶ s̶e̶r̶i̶a.

  Eu perguntava-me se o motivo de eles não terminarem o trabalho seria porque, em contrapartida, trancafiaram-me em uma prisão perpétua de 4 paredes respingando s̶a̶n̶g̶u̶e̶ d̶e̶ p̶e̶s̶s̶o̶a̶s̶ i̶n̶o̶c̶e̶n̶t̶e̶s̶ remorsos que eu não conseguia me livrar.

  Encostei a cabeça à parede e fechei os olhos por 10 segundos. Durante essa pequena extensão de tempo, achei que finalmente pudesse descansar; chegar na superfície das planícies de uma calmaria. Tentei imaginar-me em um gramado, a grama cristalina brilhando perante aos raios, que eram tão ofuscantes quanto minúsculos pedaços de vidros ao refletir orvalhos solitários. Contudo, era impossível tentar escapar da realidade quando suas pálpebras estavam cheias de moléculas de areia das quais impediam de apagá-lo. E essa pequena alucinação fora substituída por uma escuridão que afogava-me novamente, fazendo-me ficar com medo de mim mesmo. Então, em ímpeto, ao lembrar do que sempre me acontecia quando dormia, meus olhos abriram-se; eu sabia que aquelas areias tornar-se-iam movediças para sufocar-me e afundar-me nos gritos daquelas desobediências que me forçaram a apagá-las.

Relembre-me no Outono (Livro 1 da Duologia)Onde histórias criam vida. Descubra agora