Capítulo VI - Hora de Brincar

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Estava sob constante estresse. Desde que pisaram naquele prédio havia sentido algo hostil sobre ele. Um aviso sucinto de que aquele era o domínio tirano de algum adulto enlouquecido. Contudo, o lugar também era um bom atalho ao invés da volta ao quarteirão que deveriam dar, portanto prosseguiram com o plano, assumindo todos os riscos. E, bem, a garota foi a primeira a sofrê-los.

Numa emboscada, Mono não foi capaz de ao menos ver o sequestro relâmpago, preso em um dos armários propositalmente jogado em si para que não atrapalhasse. Os cabeças de porcelana levaram sua amiga, os separando naquele inferno de bullys e professoras déspotas. Ou melhor, professora. Se ele ao menos pudesse esmagar esses corpos frágeis com a sola de seu sapato, o faria se sentir muito melhor. Ao menos havia encontrado um cano enferrujado para abrir caminho entre os bullys, que era tão eficiente quanto.

Estava em seu caminho, obstinado de forma que nem as frequentes armadilhas eram capazes de fazê-lo recuar. Por onde passava, uma trilha de cacos de porcelana emoldurava o piso, um rastro de sua fúria. Havia acabado de despedaçar um daqueles pequenos ratos quando sentiu o piso tremer de forma suave, o deixando alerta. Rapidamente se escondeu, temendo ser o adulto que viu mais cedo através da sombra, vindo em sua direção. Porém, ele escutou vozes. Sussurros irrequietos dialogando entre si, algo que há séculos não ouvia. Eram dois tons diferentes; um feminino e áspero, e o outro mais grave e melancólico. De certa forma ele reconhecia, e embora aquilo fosse familiar, também lhe trouxe angústia. Quem diabos eram eles?

Esticando o pescoço para fora, ele fitou um corredor vazio e mal iluminado. Apesar da visão desértica, os murmúrios não haviam cessado, como o eco de dois fantasmas. Mono foi saindo aos poucos, procurando com mais afinco a origem do som peculiar. O chão continuava vibrando, parecia que alguém transitava por aquele corredor, alguém maior que ele. Apertou os olhos, e inconscientemente fez o ar ao seu redor tremular. Quanto mais focava, mais nítido os vultos eram aos seus olhos, como sintonizar um canal de TV. Os espectros, embora transparentes, eram visíveis aos seus olhos agora, causando um susto que quase o fez perder a concentração. Eram duas pessoas de alturas distintas, porém maiores do que ele, pareciam adultos. Um deles veio em sua direção, ameaçando pisoteá-lo, porém ele se lembrou que não passavam de visões - ou algo do tipo. Ainda estava confuso.

Mono estava tão transtornado que não percebeu a movimentação estranha. Algo bloqueou o caminho dos dois, e agora a conversa era mais alta. Ele ouviu um nome. Six. Um nome incomum, mas que trouxe familiaridade. Mono conhecia alguém com esse nome. Mas por que ele não conseguia se lembrar?

Talvez porque não fosse uma memória desse ciclo.

O pensamento esgueirou por seu cérebro tão rápido quanto saiu, deixando uma forte dor de cabeça para trás. Ele encolheu os ombros, colocando as mãos sobre as têmporas de forma que aquilo aliviasse. Não funcionou. Sua mente continuava a mil, questionando o que era real ou ilusório. A essa altura, os vultos haviam sumido, e o silêncio sepulcral da escola foi substituído pelo badalar incessante em sua cabeça. Memórias despontavam de seu inconsciente, confusas, nubladas e instigantes. O que era aquela cadeira solitária em um monte de carne? E uma capa de chuva amarela reluzindo de forma doentia na ponta do abismo? Aquela melodia calamitosa de certa forma lhe era familiar? Ela zunia em seu ouvido cada vez mais alto, rodando por sua cabeça de forma que tudo parecia girar. A dor se intensificou, e ele perdeu a noção de realidade. Por que isso estava acontecendo com ele?!

Nesse carrossel de memórias intrusivas, ele não percebeu o perigo à espreita, aproveitando de seu momento de vulnerabilidade para atacar. Antes que pudesse tomar consciência através do susto, o bully já havia avançado em sua direção e o enforcando. Não tinha forças para lutar, por mais que tentasse. Por fim, o ar saiu completamente de seus pulmões, e seu corpo caiu desfalecido no chão.

𝕭𝖚𝖙𝖙𝖊𝖗𝖋𝖑𝖞 ⚜ 𝕰𝖋𝖋𝖊𝖈𝖙Onde histórias criam vida. Descubra agora