Capítulo 12

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O frio que fazia naquela manhã já superava todos os anteriores. O sol não dava as caras há, pelo menos, uma semana. Já não chovia mais, mas a ausência de chuva não foi o suficiente para deixar os dias mais alegres, pelo contrário, as manhãs cinzas – e quase sombrias – tinham o poder de captar a alegria de todos.

Estevão não era fã de dias ensolarados e quentes, na verdade ele sentia uma satisfação inenarrável ao se levantar da cama e ver a chuva batendo com ímpeto contra a janela. Um dos pequenos deleites da vida.

Contudo, naquele dia sentiu-se extremamente grato por não ter que ir ao hospital. Passar um dia inteiro (talvez mais de um) dentro de uma sala gélida não era uma ideia muito atrativa.

Tentou ficar até mais tarde na cama. Quis saborear a sensação que tanto dava prazer às pessoas. Frio + uma cama quentinha + zero preocupações = a perfeição. Porém se esqueceu que seu relógio biológico não fora programado para tamanho evento e, antes das sete já estava desperto, e antes das nove (depois de muito rolar na cama) se levantara.

Respondeu alguns e-mails, ignorou outros tantos, olhou rapidamente o grupo da família (o ignorou também), checou o noticiário e sem mais o que fazer no celular, saiu do quarto.

Estevão não tinha planos para o dia, gostava de não ter nenhuma obrigação nos seus dias de folga, mesmo se tratando de lazer. Seu único planejamento era acordar mais tarde. Ele falhou. 

Quando desceu para comer alguma coisa, a casa estava vazia, como imaginava mesmo que estivesse, já que a mãe e a cunhada não tinham a agenda tão incerta quanto a sua.

A solidão muito lhe agradava. Essa era uma das coisas que o diferia de Eduardo. Enquanto o irmão amava o tumulto, a confusão (tudo no bom sentido, claro), ele preferia o silêncio, a quietude. Estevão nem se importava quando a família combinava alguma coisa e esquecia dele, para ele, era até um favor que faziam, assim não teria o trabalho de dizer não.

E aquele dia se sentia bem. Desde que voltara ao Brasil tivera poucos momentos consigo mesmo. Hora suas tias e primas estavam em sua casa, hora ele era obrigado a estar nas casas delas. E quando não, tinha que estar no hospital, e obviamente, a única coisa que não encontrara no seu ambiente de trabalho era silêncio.

Então finalmente os dias de glória chegaram – ou o dia.

Não conseguia trazer à memória a última vez que tomara café com tão pouco barulho. Além do som dos talheres se chocando com os pratos, também podia ouvir ao longe o som dos pássaros. Era um tanto melancólico, mas lhe agradava em demasia. 

Ele não demorou muito à mesa. Comeu um pedaço de bolo de milho, que julgava ter sido feito pela avó (o gostinho de infância denunciava), tomou um copo de leite quente para amenizar o frio e bastou. Era hora de voltar para sua fortaleza.

Porém, logo que chegou ao segundo andar, algo chamou sua atenção. 

Havia ali uma escada que levava a um terceiro andar e lá havia uma única sala. Estevão já havia estado lá algumas vezes, mas tinha de confessar que nem se lembrava mais de sua existência, fazia tanto tempo que não colocava os pés lá que não podia afirmar com certeza se a cor da parede era azul ou rosa.

Sua curiosidade o convenceu a subir (o que não era normal, já que não fazia o tipo que dava ouvido a vozes da cabeça). Uma música tocava. Era uma melodia suave, harmoniosa, agradável aos ouvidos, e ele jamais falaria isso em voz alta, mas tinha que admitir que gostava do que ouvia.

Estevão era completamente leigo no assunto (para desgosto de Yolanda), mas tinha certeza que se tratava de balé clássico, ou seja, Maria.

Pensou estar sozinho em casa, mas pelo visto sua cunhada também teve a sorte de uma folga extra. Privilégios de uma gravidez.

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