A Herdeira Esquecida

CAPÍTULO OITO

𝑂𝑢𝑡𝑜𝑛𝑜, 𝑑𝑖𝑎 55

— Aconteceu alguma coisa? — Nya perguntou a Tørvi.

Era cedo da manhã, as duas lado a lado na mesa da família faziam o desjejum — com pães, cerveja e o pouco de carne de cordeiro —, enquanto a jovem mulher de cabelos vermelhos estava muito quieta, desde a noite anterior.

— Não — respondeu sem encará-la, bebendo um pouco de sua água.

— Certeza? — perguntou receosa. — O que for que estiver a atormentando, pode me contar. Já me escutou falar por horas dos meus, e me acalmou em minhas crises.

Kåre, assim como os irmãos e Cönrad, intercalaram o olhar entre elas acompanhando a conversa. O salão não havia sido aberto aquela manhã.

— Sei que posso — afirmou, largando o copo e a olhou nos olhos. —, mas não é nada que tenha que se preocupar, está bem? — limpou os resquícios da bebida dos lábios de Nya com o polegar. — Preciso ir.

— Agora? Não terminou de comer — observou a aprendiz.

— Tenho de ajudar Starolf com o treinamento das crianças — se levantou. Nya estranhou, faltava um tempo considerável até o treino começar. — Nos vemos depois — a garota acenou com a cabeça. Tørvi deu um passo e voltou-se para ela. — E... não siga as ideias controversas deles — olhou para os irmãos, que o desviaram, voltando a comer e olhar em volta. — As que irritariam a Valkiria — sussurrou apenas para ela e saiu.

— Ela está estranha hoje... — comentou a garota.

— É lua cheia — respondeu Njörn, com a boca cheia de pão. Nicklaus pisou forte em seu pé, que o fez saltar na cadeira. — Aí! — exclamou engasgado.

— O tem a ver a lua com ela? — perguntou Cönrad e Nya, ao mesmo tempo.

— O sangue — respondeu Kåre, recebendo um chute de Nicklaus que estava sentado entre ele e Njörn. — O que eu fiz?! — resmungou esfregando o local dolorido.

— Não sabem o momento de ficar quietos–

— O sangue? — perguntou a garota, cortando o sermão.

Niclaus suspirou.

— O sangue de Tørvi é... — buscou palavras. — diferente.

— Diferente como?

— Antigamente, havia pessoas que tinham a habilidade de se transformar em lobos, maiores que os que vemos — disse Kåre, prendendo a atenção dos mais novos. — Os chamavam Blóðúlfur, sangue de lobo. Alguns diziam que eles eram descendentes de Fenrir, como seus filhos Hati e Skoll, e por isso foram caçados, por séculos, acreditando que era um presságio, de que o Ragnarok e a soltura de Fenrir estavam próximos. Muitos foram mortos, outros conseguiram esconder a habilidade, mas havia um detalhe importante... — fez uma pausa para beber sua cerveja. —, eles se transformavam apenas na lua cheia, involuntariamente.

— Eles não tinham controle? — perguntou Cönrad. Nya apertou a mesa com força, aflita.

— Não — respondeu Njör. —, assim como os lobos normais, existe uma hierarquia, alfas, betas e ômegas. Alfas, sendo os líderes e os mais fortes da alcateia, são os únicos a terem controle total da transformação.

— Tørvi é um deles? — Nya se pronunciou, com a voz tremula. — E se transforma nisso?

— Sim — disse Nicklaus. —, e é um processo muito doloroso. Os sangues de lobo que sobraram vivem escondidos, e a sua existência foi esquecida por muitos.