[CAPÍTULO 04]

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ISADORA DE MORAES

Parece que quando é para acontecer, tudo que é seu vem sem esforço algum. Eu mesma admito que meu nervosismo me fez ser péssima na entrevista, mesmo assim, no dia seguinte recebi o e-mail pedindo para eu confirmar se aceitarei mudar de cidade e começar a trabalhar lá. Eles até me ajudarão com a passagem e, se for necessário, com gastos em hotel. Mas claro que, com Joice morando em São Paulo, ela disse que eu posso ficar no apartamento dela sem problema nenhum, até eu ter o meu próprio canto.

Posso não ter tido sorte com relacionamentos, mas, certamente, com amizade tenho. Não consigo nem imaginar o que seria de mim se tivesse que ir para uma cidade nova sem conhecer ninguém. Posso dizer que Joice foi uma guerreira por ter feito exatamente isso.

Outra coisa que tive sorte foi que, quando pedi demissão do meu emprego no mercado, sugeri um acordo só para não sair perdendo por ter ficado quase dois anos da minha vida sofrendo naquele lugar. Para minha grande felicidade, eles aceitaram e eu não perderei muita coisa por ter pedido demissão. Não receberei todos os meus direitos como seria o caso se tivesse sido mandada embora, mas também não ficarei com uma mão na frente e outra atrás. Eles até me darão o aviso prévio sem eu cumprir!

Sendo pobre e brasileira, uma coisinha boba assim me fez voltar para casa cantarolando várias músicas alegres. Até mesmo músicas infantis.

Não lembro qual foi a última vez que me senti tão feliz.

A parte ruim foi contar a minha família a mudança drástica que ocorrerá na minha vida. Eles estão me apoiando porque todos são conhecedores do meu sonho de trabalhar cercada de livros, seja numa biblioteca, seja numa editora. Eu só quero estar ao lado do que amo. Mas eles também estão receosos por eu ter que ir para outra cidade. Mesmo que São Paulo e Rio sejam lado a lado, não é como se fossemos poder nos ver sempre que quisermos — ao menos, pessoalmente não.

Só há uma coisa estranha no meio disso tudo: minha mãe está muito sorridente para alguém que está vendo a filha ir embora de casa. Me sinto ofendida uma vez que ela chorou quando Vinicius foi, e ficou magoada porque logo o Nicolas também irá. No entanto, no meu caso, ela está praticamente me expulsando de casa.

Agora mesmo estamos verificando se eu não estou esquecendo nada para eu poder viajar tranquila no dia seguinte.

— Você pegou os seus casacos? Quase já não tem, é melhor não esquecer nenhum.

Acredito que nenhum carioca pobre tenha muitos casacos. Só usamos quando o inverno está no auge, o que dura poucos dias. Os outros permanecem como se o verão nunca fosse embora.

— Peguei sim, mãe — garanti.

Posso acabar esquecendo alguma outra coisa, mas roupa não irei porque não tenho em excesso. Não posso ousar deixar nenhuma peça para trás.

— Todos os sapatos, calças, blusas, produtos de higiene...

— Mãe! — interrompo antes que ela dane a falar todas as coisas que eu sei que tenho que levar. — A senhora já me fez olhar essas malas três vezes! Sabe que não estou esquecendo nada.

Ela suspira e se dá por vencida.

— Tem razão. Só quero garantir que não vai esquecer nada importante.

— Por que não? Se eu esquecer, é a sua casa. Depois alguém me manda pelo correio ou algo assim.

— É verdade, o correio! Não parei pra pensar nisso.

— Nossa, mãe! A senhora está deixando bastante evidente que não quer que eu tenha motivos para voltar — reclamo sem esconder minha mágoa.

Poxa! É melhor ela me escorraçar logo, me jogar na rua. Ao menos sua intenção ficará menos óbvia.

A Chama Que Arde Entre Nós |DEGUSTAÇÃO|Onde histórias criam vida. Descubra agora