[CAPÍTULO 02]

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ISADORA DE MORAES

Eu trabalho há quase dois anos em um supermercado, e durante todo esse tempo, por mais que um cliente testasse o meu limite — e quem trabalha com o público, sabe que eles sempre testam —, eu nunca fui desrespeitosa ao ponto de mandar um cliente ir para aquele lugar. Vontade sempre tive, mas coragem? Nunca!

Bem, pelo menos até hoje. Para ser mais exata, pelo menos até alguns minutos atrás quando um cara me chamou de princesinha e me convidou para ir para um motel. No fim das contas, mesmo que ele seja um filho da puta tarado, quem ficou ouvindo sermão da supervisora fui eu. E o desgraçado ainda ganhou desconto pelo transtorno! Quase mandei minha supervisora ir a merda para completar o dia, mas respirei fundo por saber que não adiantaria.

Colegas minhas foram demitidas por muito menos porque "O cliente tem sempre razão". O imbecil que inventou essa frase com certeza era patrão, não funcionário. Quem lida com clientes sabe que raramente algum deles tem razão.

Levei advertência de três dias, e por mais que fosse três dias sem receber, enquanto o pagamento não chega, tento olhar o lado bom e pensar que são três dias de descanso desse emprego fodido.

Viva!

Irritada com tudo, faço o caminho de casa com a cara enfiada num exemplar de Verity da Colleen Hoover. No entanto, para minha surpresa, não consigo me concentrar na leitura. E não tem nada a ver com o fato que estou em pé dentro do ônibus, prendendo a barra dos bancos com a junção do braço e antebraço para me equilibrar, enquanto seguro o livro com ambas as mãos. Dessa vez nem ler está servindo para me acalmar. Apenas me sinto ficando mais zangada a cada minuto que passa. Assim sendo, fecho o livro e bufo.

O motivo da minha raiva sou eu mesma. Sinto-me uma grandíssima idiota por ter nutrido por tantos anos um amor por um cara que sempre deixou evidente que não me quer.

Burra! Burra! Burra! Estava pensando o que? Que ele deixaria Maria para ficar com você?

Rio da minha idiotice. Por que Felipe faria isso quando Maria é o sonho de qualquer homem? É leal e dedicada, parece um anjo com sua pele pálida e cabelo castanho-claro. Tem a beleza comum do tipo que você olha a primeira vez e pensa: bonitinha. Mas então, olha com mais atenção e fica tentando entender porque algo comum parece tão fascinante. Isso porque a alma de Maria brilha. Ela é o ser mais precioso que eu conheço, não é à toa que é minha melhor amiga. Sendo assim, de certa forma, eu super entendo o encanto de Felipe.

Além do mais, esse não é o único problema. Felipe e Maria namoram há quase três anos. Maria relutou em se deixar levar, mas agora é completamente feliz ao lado dele. Então, como eu pude me permitir desejar um homem que, por sete anos, não desistiu de uma mulher até tê-la? Pior, como pude ignorar tudo que aconteceu, sabendo que poderia magoar uma pessoa importante para mim no processo apenas por desejar o homem dela?

Lágrimas começam a descer e eu tento me conter por estar em público, mas eu não consigo.

Sinto-me um ser humano horrível. A pior prima, a pior melhor amiga e, principalmente, a pior mulher apaixonada do mundo.

🌙☀️

— Mãe, mãe, mãe... — meu segundo irmão entra em casa, eufórico, e corre direto para a varanda, que é onde minha mãe está fazendo sabão caseiro.

Nossa varanda não é muito grande, então todo o cheiro forte dos produtos misturados invade nossa sala em vez de ir para o quintal. Ainda acho que algum dia descobrirei algum tipo de mutação genética por sentir esse cheiro horrível desde criança.

Minha mãe para de mexer no balde com um pedaço de madeira e olha para o meu irmão. Ela está de máscara e jaleco branco, pois é totalmente fiel a tudo que se propõe a fazer.

A Chama Que Arde Entre Nós |DEGUSTAÇÃO|Onde histórias criam vida. Descubra agora