ISADORA DE MORAES
10 anos atrás
Como toda adolescente introvertida, focada nos estudos e um pouco desleixada com a própria aparência; eu me acho totalmente diferente das garotas da minha idade. No auge dos meus quinze anos, eu nunca beijei na boca e ainda não sinto curiosidade de viver tal experiência – particularmente, na realidade acho bem nojento duas pessoas desconhecidas colando as bocas uma na outra, roçando línguas e trocando saliva. As pessoas que se beijaram pela primeira vez na vida, certamente não tinha nada de útil para inventar de fazer.
Acredito até que é por isso que não curto muito livros de romance. As coisas descritas me fazem questionar quem foi o doido que quis fantasiar tanto o amor. As poucas vezes que tentei me aprofundar nesse tipo de leitura, torci o nariz em todas as vezes que li sobre mãos suando, borboletas no estômago e coração trotando. Minha prima Maria diz que sou totalmente anormal porque não consigo gostar desse tipo de livro, mas adoro ler sobre dragões, guerreiros, bruxas, vampiros... Qualquer livro de fantasia e ficção científica.
Bem, a meu ver, é mais legal um grupo de amigos com super poderes tentar salvar a humanidade, do que um casal descobrir as nuances do amor. Nenhum dos dois são reais, mas ao menos a amizade existe e o amor, bem... Este parece morrer mais um pouco a cada geração que passa.
Eu acredito que as pessoas sabem amar, afinal, filhos amam os pais, pais amam os filhos, irmãos se amam, primos se zelam e etc. Contudo, esse amor de ter que dividir a vida com outra pessoa parece estar cada vez mais extinto. Por isso esse assunto não me interessa muito.
Se não fosse o fato de os meus pais estarem casados há quase vinte anos, não me interessaria nem um pouco.
Quando sonho com o meu futuro, meu único objetivo é descobrir como fazer para viver em meio aos livros até o último dia da minha vida sem passar fome; uma vez que qualquer profissão que me permitirá ter esse estilo de vida, não são valorizadas no meu adorável Brasil. Não sonho com casamento, não sonho com filhos. Sonho em fazer minha vida financeira dar certo com a minha profissional, só para que eu não tenha que ter duas profissões: uma para ter dinheiro e a outra para fazer o que eu gosto. Sinto calafrios só de imaginar que, do jeito que o país vai de mal a pior, sorte mesmo será se eu não tiver um emprego que odeio só para não passar fome, como é o caso de muitos que conheço.
O sinal toca e fico assustada. Não li um parágrafo do livro que tenho em mãos. Fiquei os vinte minutos do intervalo pensando bobagem e perdi a oportunidade de descobrir se Grazielli venceu o treinamento contra Anna Karine, onde ambas estão tentando aprimorar seus poderes.
— Larga esse livro e vamos para a aula, Isa — minha prima Maria grita quando passa por mim junto com outras duas colegas nossa.
Quase todas as meninas da minha idade passam o intervalo fofocando, ou dando beijos escondidos, ou tentando ser o foco de um grupo de garotos. Poucas ficam isoladas num canto lendo um livro, como eu. Maria e nossas colegas, Ana Clara e Joice, já desistiram de tentar me fazer prestar atenção no que dizem quando estou com um livro por perto, por isso me deixam ficar no meu canto e ficam conversando em outro para não me atrapalhar.
Todo dia agradeço por já estar no ensino médio e não no fundamental. Embora eu ainda seja uma estranha por estar sempre com a cara enfiada em algum livro, ninguém fica enchendo meu saco ou praticando bullying comigo por isso. Como faltam três anos, ou menos, para que sejamos legalmente adultos, a maioria tenta agir como se fosse.
Levanto-me do chão do pátio e sigo para a sala de aula. A mesma é a típica sala de uma escola pública que precisa de reforma: da metade para baixo é pintada com uma tinta azul que sai quando passa a mão, da metade para cima é pintada de um branco que os alunos já sujaram. As carteiras estão organizadas em três fileiras, cada uma contendo dez pares de mesas e cadeiras, algumas ainda inteiras e outras pinchadas, rabiscadas ou precisando ser trocadas. A janela está aberta pela metade porque emperrou e não dá mais para terminar de fechar ou continuar a abrir. Tem um ar-condicionado que é prometido ser consertado desde os primórdios da humanidade, e ventiladores de teto que parecem que vão cair a qualquer momento. O quadro é a única coisa que temos certeza que já foi trocado nessa sala, pois é a lousa branca e não o quadro negro.
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A Chama Que Arde Entre Nós |DEGUSTAÇÃO|
Romance[COMPLETO NA AMAZON] Isadora de Moraes fez de tudo para ter uma vida próspera, mas, no auge dos seus vinte e cinco anos, a mulher se vê numa situação desconcertante: ela não começou a carreira profissional como desejava e, como toda desgraça é pouca...