Capítulo 1

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Eu insisti com Manuela, disse que 6h era cedo demais pra que ela me deixasse na escola, que não teria ninguém a essa hora. Não teve jeito, ela disse que se não me deixasse naquele horário, chegaria atrasada no trabalho. Me deu um beijo na bochecha e, depois de eu ter fechado a porta com um pouco de raiva, acenou pra mim com um sorrisinho.

"Mais uma vez 'cê' veio abrir a escola, 'Seu' Kássio, não perdoou nem o primeiro dia?", perguntou Dona Márcia, a tia da merenda.

"É, não adiantou explicar, a Manuela não ouve", eu disse com um sorriso amarelo.

"Pois sente aí que eu vou pôr um café 'procê', sua mãe não tem muito juízo, não é?". Márcia tinha um corpo moreno e rechonchudo, usava tranças no cabelo com umas cordinhas que eu sempre esqueço o nome. Ela se virou, "tem uns pãezinhos de queijo que eu acabei de fazer na cestinha e tem maçã na geladeira... só não vai falar pra alguém. Mais um pouco e aparece a escola toda para tomar café aqui", ela riu com uma das mãos na cintura e jogando um paninho no ombro com a outra.

Após o café, fui me deitar no banco próximo a sala de Matheus, ele e alguns amigos logo chegariam para organizar o clube de boxe. O dia nublado e frio me possibilitava ver os fracos raios solares pelas brechas das pequenas folhas da árvore ao meu lado. Cochilei... talvez dois minutos. Acordei já sem tanta raiva depois do que Manuela fez e me levantei. Olhei ao redor e a porta do clube estava aberta.

Matheus veio correndo em minha direção, parecia que não havíamos nos visto nas férias. Abraçou-me com um giro e beijou-me rapidamente. Ele sabia que beijava de uma maneira fofa e que os garotos o zoavam por isso. Embora nem todos da escola soubessem que nós namorávamos, todo o clube sabia. Andamos um pouco, lado a lado, com a mão dele em minha cintura. Matheus tinha os braços fortes e me fazia sentir sensações engraçadas pelo corpo, não é como se eu fosse experiente em namoros e essas coisas. Ele também era mais alto, não muito mais do que eu, mas o suficiente pra ficar na pontinha do pé para um selinho. Ele me contou algumas novidades do clube e algumas coisas que ele ouvira sobre a biblioteca.

"Ká, eu tenho que ir, nós vamos fazer a abertura do clube e precisamos de tudo pronto para receber novos inscritos". Ele deu um beijinho na minha bochecha e correu. Ele sabe que todos percebemos que ele fica vermelho como um tomate quando me beija.

E esse apelido idiota... eu não gostava quando me chamavam assim, Leonardo que, com toda a sua preguiça, começou a me chamar assim enquanto eu, com igual preguiça, o chamo de Léo. Matheus aderiu e agora eu até aceito.

Algumas pessoas começaram a chegar e eu deixei minha mochila na sala para guardar o lugar e fui me sentar ao refeitório enquanto relembrava o 'abandono' de Manuela e o beijo que recebi de Matheus.

"Desculpe", disse uma voz rouca atrás de mim. Me virei e vi Leonardo sorrindo.

"Tu disse que nem viria no primeiro dia de aula".

Leonardo era um dos meus amigos mais próximos. Nos conhecemos no 7° ano do ensino fundamental quando vi que ele estava lendo meu livro preferido: Viagem ao centro da terra, de Jules Verne. Eu logo me apaixonei por ele, mas, tão rápido como o amor, veio a decepção: ele começou a namorar uma garota chamada Walleska, que por sinal não parecia gostar de mim. A vontade de namorar passou e eu até tive sentimentos por alguns outros no mesmo ano, porém nada tão intenso a ponto de me fazer querer assumir a homossexualidade, até conhecer Danillo, meu primeiro namorado. Agora, no 3° ano do ensino médio, nós temos 17 anos. Ele é alguns meses mais velho que eu. Eu ainda gosto de Léo, mas só como amigo.

"Eu tive que vir... a Amanda me obrigou", Léo deu uma risadinha e passou a mão em seus cabelos castanhos.

Leonardo estava com a maior cara de ontem: cabelo desgrenhado, olheiras profundas e rosto como que marcado pelos panos embolados de sua cama. E, por causa do frio, não aparentava ter tomado banho. Tudo contrastava a beleza que ele mostrava regularmente.

Going UnderOnde histórias criam vida. Descubra agora